Dia
Dos Mortos
O pior do dia dos mortos
não é lamentar pelos que se foram, esses merecem o bom descanso, realmente nos
trazem a saudade boa, aquela sensação de que o tempo ao lado deles foi pouco ou
mal aproveitado, que nos faltou dizer as palavras corretas, que deveríamos ter
sido mais gratos pelo convívio com os que se foram, que por mais que tenhamos
dito e feito, o sentimento de perda vem até nós e nos joga na cara que nunca é
o bastante dizer eu te amo, dar amor, carinho e tantos outros sentimentos bons,
que depois que enterramos alguém, acaba que tudo fica irrelevante, lamentamos o
tempo perdido à toa, com brigas, palavras mal ditas, ressentimentos, e tantas e
tantas coisas que fazemos e não tem a menor importância.
Mas sabemos que estamos
nesse mundo a passeio, esse não é o nosso real lugar, então, precisamos
aproveitar a viagem. Resta claro que precisamos compreender que a morte é algo
natural, comum e até certo ponto, motivo para a gente comemorar e celebrar, e
não nos entristecermos, pois deixamos de lados as coisas pequenas e focamos na
saudade, nas coisas boas, no que nos fará lamentar a perda, nos fazendo
esquecer momentos ruins que vivemos ao lado do falecido. Assim, acabamos por
redimir os pecados dos nossos entes queridos, simplesmente porque o sopro do
anjo da morte sobre eles nos fez ver a real importância deles em nossas vidas.
Sendo assim, não tenho
problemas com as pessoas que morrem de verdade, com as pessoas que perdemos,
aqueles que simplesmente desencarnam, mesmo os que se vão de uma hora para a
outra. Meu problema com o dia dos mortos é com os mortos que estão vivos, com
os mortos que não estão efetivamente mortos, ou como eu costumo falar, meu
problema é com os zumbis, os mortos-vivos, aquelas pessoas que somos obrigados
a matar em nossas vidas, mas que ainda assim, continuam a andar, falar, pagar
impostos e contribuindo para a sociedade em geral.
Eu, particularmente, acho
complicado quando precisamos partir para essa atitude de matar alguém em nossas
vidas, principalmente porque os sentimentos gerados por tal atitude não são
bons. Essa “morte” não gera os mesmos efeitos positivos da morte com
desencarnação, muito pelo contrário, gera sentimentos ruins, a ponto de
começarmos a lamentar termos conhecido o “falecido”, lamentar o convívio com
ele, potencializar os defeitos, amplificar os pecados e diminuir a importância
dessas pessoas em nossa vida.
São vários os motivos que
nos fazem matar alguém em nossa vida, alguns são bobos, outros bem sérios,
contudo, no fim das contas, todos os motivos estão relacionados a mágoas
sentidas, de parte a parte. Afinal, você pode ser o zumbi para alguém também,
mesmo você estão aí, vivão, lendo esse texto. Então, é simples, se algo nasce da
mágoa, não vai trazer coisas boas, só te fará criar cada vez mais e mais coisas
ruins dentro de você. E precisar matar alguém em nossa vida é uma atitude
totalmente extrema, pois você precisa registar a morte, viver o luto, conseguir
o atestado de óbito... E isso tudo, só para apagar de vez a existência de
alguém no mesmo plano físico que você está. Tudo isso requer muito tempo e
muita dedicação, pois você precisa se dar conta de que aquela pessoa não estará
mais no mesmo plano astral que você em sua vida.
Já precisei matar algumas
pessoas em minha vida, provavelmente já fui morto por algumas também, fazer o
que, faz part. Mas me livrar delas não foi assim tão fácil e tão simples,
afinal, eu tinha amor por essas pessoas, convívio e até afinidades. Mas precisei
que essas pessoas morressem, precisava me livrar dos sentimentos ruins que elas
passaram a me trazer, que eu passei a alimentar por conta delas. O mal que elas
me emanavam era maior que qualquer bem que elas um dia já me proporcionaram,
sendo assim, passei a ter cada vez menos convívio, menos contato, até que
então, simplesmente me dei conta de que a pessoa tinha ido, tinha passado,
perecido e que mesmo, embora, fuxicando minhas redes sociais, ainda assim, pra
mim, ela tinha morrido. Criei lápide, obituário e tudo mais, fazendo com que as
coisas fossem mais fácil de encarar.
Se liga, que eu não estou
falando daquela palhaçada de quem termina um namoro e passa a se referir ao ex
como falecido(a), não é isso. Estou falando de algo mais sério, estou falando
de quando para você a pessoa realmente está morta e enterrada, que você de ano
em ano, leva flores para o túmulo imaginário da pessoa em sua mente, é aquela
coisa de você realmente não ter mais contato com a pessoa no mesmo plano
físico, de forma que você se sente à vontade para não precisar mais pensar nela
como um ser vivo.
Sendo assim, o que me
causa mal, na verdade, é o fato de que na verdade estou enterrando alguém que
não morreu de verdade, alguém que em algum momento eu posso cruzar no trânsito,
trombar no ônibus, encontrar numa festa ou ainda ter que dividir o elevador com
o falecido. Aí, você precisa se dar conta de que os zumbis não são humanos,
eles não são seres vivos, eles deixaram de serem humanos, passaram a ser
qualquer coisa, menos seres capazes de merecer a nossa compaixão, ou qualquer
outro sentimento bom. Quer dizer, existem alguns que podem até te fazer
alimentar sentimentos bons por eles, mas esses são apenas aqueles que somente a
distância os matou, que na verdade eles não morreram, apenas estavam
desaparecidos, mas que você sempre alimentou aquele sentimento de que um dia
vocês ainda iam se reencontrar.
Os desaparecidos em
nossas vidas são mais fáceis de lidarmos, afinal, eles existem, mas de repente
do nada, somem e ficamos sem ter qualquer notícia ou informação, ou qualquer
outra coisa. Passamos a não ter nada daquela pessoa, é como se ela tivesse
evaporado no tempo e espaço, aí, ficamos nos perguntando pra onde ela foi, o
que aconteceu, o que será que ela tá mal, será que um dia vamos nos
reencontrar... Porém, tudo isso com a esperança e uma certa resignação, pois
sabemos que a vida é assim mesmo, que com o passar do tempo, um grande amigo
pode se tornar um conhecido e vice versa, contudo, permanecemos na esperança de
um dia reencontrar aquela pessoa, que mesmo que a relação não seja a mesma, ao
menos obteremos informações, reataremos um contato...
Para o bem e para o mal,
as redes sociais de hoje servem ao propósito de nos aproximar das pessoas
distantes, nos afastar das próximas, mas acima de tudo, de bloquear os mortos
de nossas vidas. Pra que a pessoa vai ficar tendo acesso a minha vida se ela
está morta? Não faz sentido, né? Eu adorava o Orkut, justamente porque ele
informava quem visitava a sua página e de vez em quando, um desaparecido
surgia, o que era motivo para retirá-lo das listas de desaparecidos da minha
vida, mas às vezes, era um zumbi quem surgia, mas eu sempre sabia quem ia lá.
No Facebook você fica sem saber essas coisas, só descobre que um morto voltou a
vida quando vocês se esbarram ou quando o zumbi do nada resolve voltar a falar
com você.
Confesso que não tenho e
nem nunca tive medo dos mortos, nunca tive mesmo, meu problema sempre foram os
vivos, eles que são capazes de magoar, maltratar, maldizer... Já o morto não
pode nos fazer mal, não pode nos ferir, não pode nos perturbar, nos causar
problemas, quer dizer, isso pra quem não acredita nos enredos dos filmes de
terror como Atividade Paranormal, Bruxa de Blair e afins. Os mortos, na
verdade, só podem nos fazer sofrer de saudade e pela ausência. Contudo, um
morto vivo, um zumbi, esse é capaz de causar muitos males. Isso porque, apesar
de para nós eles estarem mortos e enterrados, eles na verdade estão por aí,
andando, de um lado para o outro, podendo levar sua não vida para a vida dos
outros. Então, acaba que precisamos entender que a pior morte é essa, a morte
em vida, quando a gente percebe que precisa retirar alguém de nossa vida de uma
forma tão drástica, que só a morte é capaz de satisfazer essa nossa
necessidade, daí, precisamos matar, sepultar e enterrar alguém, que sabemos que
irá continuar vivo, mas que estará a sete palmos embaixo da terra das nossas
vidas.
Não acho que você possa
fazer isso com qualquer pessoa e não é também uma coisa movida só pela raiva,
acho que é preciso mais ressentimento e mágoa do que raiva, pois com a raiva,
você vai fazer algo errado, vai matar quem você não quer, ou vai acabar
parecendo pirraça de quem não tem o que quer. Você tem que estar consciente de
que quando uma pessoa morre, ela não voltará mais a vida, que você via tirá-la
da sua vida e vai ser isso, não terá volta, você não poderá dar uma de
Frankstein e tentar trazê-la de volta. Você terá de viver pelo resto da vida
com essa questão de que a pessoa nunca mais voltará, mesmo que ela vire
posteriormente um zumbi, aquele zumbi nunca será a pessoa que um dia esteve
viva em sua vida, então, saiba julgar bem isso, não se deixe abalar por coisa
pouca e quando tomar a atitude de matar a pessoa em sua vida, mate-a, faça um
belo funeral, enterre-a à sete palmos debaixo da terra e siga em frente,
afinal, dia dos mortos, temos todos os anos.
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