quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Dia Dos Mortos

Dia Dos Mortos

O pior do dia dos mortos não é lamentar pelos que se foram, esses merecem o bom descanso, realmente nos trazem a saudade boa, aquela sensação de que o tempo ao lado deles foi pouco ou mal aproveitado, que nos faltou dizer as palavras corretas, que deveríamos ter sido mais gratos pelo convívio com os que se foram, que por mais que tenhamos dito e feito, o sentimento de perda vem até nós e nos joga na cara que nunca é o bastante dizer eu te amo, dar amor, carinho e tantos outros sentimentos bons, que depois que enterramos alguém, acaba que tudo fica irrelevante, lamentamos o tempo perdido à toa, com brigas, palavras mal ditas, ressentimentos, e tantas e tantas coisas que fazemos e não tem a menor importância.
Mas sabemos que estamos nesse mundo a passeio, esse não é o nosso real lugar, então, precisamos aproveitar a viagem. Resta claro que precisamos compreender que a morte é algo natural, comum e até certo ponto, motivo para a gente comemorar e celebrar, e não nos entristecermos, pois deixamos de lados as coisas pequenas e focamos na saudade, nas coisas boas, no que nos fará lamentar a perda, nos fazendo esquecer momentos ruins que vivemos ao lado do falecido. Assim, acabamos por redimir os pecados dos nossos entes queridos, simplesmente porque o sopro do anjo da morte sobre eles nos fez ver a real importância deles em nossas vidas.
Sendo assim, não tenho problemas com as pessoas que morrem de verdade, com as pessoas que perdemos, aqueles que simplesmente desencarnam, mesmo os que se vão de uma hora para a outra. Meu problema com o dia dos mortos é com os mortos que estão vivos, com os mortos que não estão efetivamente mortos, ou como eu costumo falar, meu problema é com os zumbis, os mortos-vivos, aquelas pessoas que somos obrigados a matar em nossas vidas, mas que ainda assim, continuam a andar, falar, pagar impostos e contribuindo para a sociedade em geral.
Eu, particularmente, acho complicado quando precisamos partir para essa atitude de matar alguém em nossas vidas, principalmente porque os sentimentos gerados por tal atitude não são bons. Essa “morte” não gera os mesmos efeitos positivos da morte com desencarnação, muito pelo contrário, gera sentimentos ruins, a ponto de começarmos a lamentar termos conhecido o “falecido”, lamentar o convívio com ele, potencializar os defeitos, amplificar os pecados e diminuir a importância dessas pessoas em nossa vida.
São vários os motivos que nos fazem matar alguém em nossa vida, alguns são bobos, outros bem sérios, contudo, no fim das contas, todos os motivos estão relacionados a mágoas sentidas, de parte a parte. Afinal, você pode ser o zumbi para alguém também, mesmo você estão aí, vivão, lendo esse texto. Então, é simples, se algo nasce da mágoa, não vai trazer coisas boas, só te fará criar cada vez mais e mais coisas ruins dentro de você. E precisar matar alguém em nossa vida é uma atitude totalmente extrema, pois você precisa registar a morte, viver o luto, conseguir o atestado de óbito... E isso tudo, só para apagar de vez a existência de alguém no mesmo plano físico que você está. Tudo isso requer muito tempo e muita dedicação, pois você precisa se dar conta de que aquela pessoa não estará mais no mesmo plano astral que você em sua vida.
Já precisei matar algumas pessoas em minha vida, provavelmente já fui morto por algumas também, fazer o que, faz part. Mas me livrar delas não foi assim tão fácil e tão simples, afinal, eu tinha amor por essas pessoas, convívio e até afinidades. Mas precisei que essas pessoas morressem, precisava me livrar dos sentimentos ruins que elas passaram a me trazer, que eu passei a alimentar por conta delas. O mal que elas me emanavam era maior que qualquer bem que elas um dia já me proporcionaram, sendo assim, passei a ter cada vez menos convívio, menos contato, até que então, simplesmente me dei conta de que a pessoa tinha ido, tinha passado, perecido e que mesmo, embora, fuxicando minhas redes sociais, ainda assim, pra mim, ela tinha morrido. Criei lápide, obituário e tudo mais, fazendo com que as coisas fossem mais fácil de encarar.
Se liga, que eu não estou falando daquela palhaçada de quem termina um namoro e passa a se referir ao ex como falecido(a), não é isso. Estou falando de algo mais sério, estou falando de quando para você a pessoa realmente está morta e enterrada, que você de ano em ano, leva flores para o túmulo imaginário da pessoa em sua mente, é aquela coisa de você realmente não ter mais contato com a pessoa no mesmo plano físico, de forma que você se sente à vontade para não precisar mais pensar nela como um ser vivo.
Sendo assim, o que me causa mal, na verdade, é o fato de que na verdade estou enterrando alguém que não morreu de verdade, alguém que em algum momento eu posso cruzar no trânsito, trombar no ônibus, encontrar numa festa ou ainda ter que dividir o elevador com o falecido. Aí, você precisa se dar conta de que os zumbis não são humanos, eles não são seres vivos, eles deixaram de serem humanos, passaram a ser qualquer coisa, menos seres capazes de merecer a nossa compaixão, ou qualquer outro sentimento bom. Quer dizer, existem alguns que podem até te fazer alimentar sentimentos bons por eles, mas esses são apenas aqueles que somente a distância os matou, que na verdade eles não morreram, apenas estavam desaparecidos, mas que você sempre alimentou aquele sentimento de que um dia vocês ainda iam se reencontrar.
Os desaparecidos em nossas vidas são mais fáceis de lidarmos, afinal, eles existem, mas de repente do nada, somem e ficamos sem ter qualquer notícia ou informação, ou qualquer outra coisa. Passamos a não ter nada daquela pessoa, é como se ela tivesse evaporado no tempo e espaço, aí, ficamos nos perguntando pra onde ela foi, o que aconteceu, o que será que ela tá mal, será que um dia vamos nos reencontrar... Porém, tudo isso com a esperança e uma certa resignação, pois sabemos que a vida é assim mesmo, que com o passar do tempo, um grande amigo pode se tornar um conhecido e vice versa, contudo, permanecemos na esperança de um dia reencontrar aquela pessoa, que mesmo que a relação não seja a mesma, ao menos obteremos informações, reataremos um contato...
Para o bem e para o mal, as redes sociais de hoje servem ao propósito de nos aproximar das pessoas distantes, nos afastar das próximas, mas acima de tudo, de bloquear os mortos de nossas vidas. Pra que a pessoa vai ficar tendo acesso a minha vida se ela está morta? Não faz sentido, né? Eu adorava o Orkut, justamente porque ele informava quem visitava a sua página e de vez em quando, um desaparecido surgia, o que era motivo para retirá-lo das listas de desaparecidos da minha vida, mas às vezes, era um zumbi quem surgia, mas eu sempre sabia quem ia lá. No Facebook você fica sem saber essas coisas, só descobre que um morto voltou a vida quando vocês se esbarram ou quando o zumbi do nada resolve voltar a falar com você.
Confesso que não tenho e nem nunca tive medo dos mortos, nunca tive mesmo, meu problema sempre foram os vivos, eles que são capazes de magoar, maltratar, maldizer... Já o morto não pode nos fazer mal, não pode nos ferir, não pode nos perturbar, nos causar problemas, quer dizer, isso pra quem não acredita nos enredos dos filmes de terror como Atividade Paranormal, Bruxa de Blair e afins. Os mortos, na verdade, só podem nos fazer sofrer de saudade e pela ausência. Contudo, um morto vivo, um zumbi, esse é capaz de causar muitos males. Isso porque, apesar de para nós eles estarem mortos e enterrados, eles na verdade estão por aí, andando, de um lado para o outro, podendo levar sua não vida para a vida dos outros. Então, acaba que precisamos entender que a pior morte é essa, a morte em vida, quando a gente percebe que precisa retirar alguém de nossa vida de uma forma tão drástica, que só a morte é capaz de satisfazer essa nossa necessidade, daí, precisamos matar, sepultar e enterrar alguém, que sabemos que irá continuar vivo, mas que estará a sete palmos embaixo da terra das nossas vidas.
Não acho que você possa fazer isso com qualquer pessoa e não é também uma coisa movida só pela raiva, acho que é preciso mais ressentimento e mágoa do que raiva, pois com a raiva, você vai fazer algo errado, vai matar quem você não quer, ou vai acabar parecendo pirraça de quem não tem o que quer. Você tem que estar consciente de que quando uma pessoa morre, ela não voltará mais a vida, que você via tirá-la da sua vida e vai ser isso, não terá volta, você não poderá dar uma de Frankstein e tentar trazê-la de volta. Você terá de viver pelo resto da vida com essa questão de que a pessoa nunca mais voltará, mesmo que ela vire posteriormente um zumbi, aquele zumbi nunca será a pessoa que um dia esteve viva em sua vida, então, saiba julgar bem isso, não se deixe abalar por coisa pouca e quando tomar a atitude de matar a pessoa em sua vida, mate-a, faça um belo funeral, enterre-a à sete palmos debaixo da terra e siga em frente, afinal, dia dos mortos, temos todos os anos.

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