terça-feira, 3 de março de 2020

Novo Leito


Novo Leito

E essa chuva lá fora que não para
Lavando o meu rosto e a minha alma
As gotas de lágrima de quem chorara
Escorrem marcando pela minha palma

Sob a pele escura se derrama a lágrima
E eu com esse meu sorriso sem graça
Enquanto dentro de mim cresce a grima
Eu sigo servindo aos outros de vidraça

Ofuscando os pensamentos mais doídos
Matando a dor que sinto afogada
Sob a água os escárnios estão diluídos
A chuva livra o pegado de alma expiada

Catártico sentido o voraz desgosto
As águas de março me afogam em mim
A chuva cai sobre mim como um dia de agosto
E eu só penso que esse é o meu melhor fim

Água para beber, banhar e limpar
Água para lavar, molhar e benzer
O que tiver que ser, a água vai levar
E que escoe de mim todo o sofrer

Afoguei a minha alma em lágrimas salgadas
Para submergir a dor latente do meu peito
Atrás de respostas corro por ruas alagadas
Como água busco encontrar novo leito

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

Só Tomo Café Amargo


Só Tomo Café Amargo

A vida é impureza em sua essência
Mazelas, desilusão, sofrimento
Sorrisos, desapegos, amor
Nostalgia, saudade, amizade
Nada disso é puro ou perfeito
Talvez por isso eu viva em desespero
Tentando achar motivos para seguir em frente
Buscando um sentido para a minha vida
Sabendo que o único destino certo é a morte
O resto é brilho e perfumaria
O fardo é extremamente pesado
A dor e a agonia são constantes
A conscientização de que só o fim é certo
Causa uma certa afazia de sentimentos
Anestesiando o coração do cativo
As chagas já não ardem nem dilaceram
A alma pena em ser o que mais dói
E o corpo sucumbe diante dos males
As borboletas no estômago já não existem
Foram comidas por todos os sapos que engoli
Só tomo café amargo
Que é para ver se a vida parece mais doce
O caos tenta vir para me limpar
Para purificar a minha existência vil
Mas a verdade é que não há pureza na vida
Nem toda a maldade está em quem faz o mal
Há maldade também em quem se omite
A vida é impureza e só a morte é pura
Pois é ela quem finda todo o bem e todo o mal
Acaba com os sonhos e os pesadelos
Finita presença insignificante é a minha
Quem sabe a morte me ressignifica
E torna puros os sentimentos que carrego

domingo, 16 de fevereiro de 2020

O Amor É Tudo

O Amor É Tudo

Quando eles se derem conta já será tarde
Sucumbirão diante da própria soberba
Marchando contra a nossa força intransponível

Seremos fortes pelos que não podem ser
Seremos resistência pelos que não resistiram
Seremos luz aonde hoje só existe escuridão

Já choramos o choro dos inconsoláveis
Já nos lamuriamos por todas as nossas crises
Já perecemos mediante a dor que nos infligiram

Mas chegou a hora de darmos um basta
A noite é sempre mais escura antes do amanhecer
É nas trevas que a esperança resplandece

Não temo mais por mim, pois eu já não existo
Revivo em cada verso meu que toma as avenidas
Em cada desesperado que se levanta contra a opressão

Não tenho mais nada a perder além de mim mesmo
Já me desfiz da vaidade de ser algo diferente de mim
E vejo o quanto isso causa espanto aos outros

Quando perceberem que o amor é mais forte que o ódio
Já será tarde, já teremos começado a nossa revolução
E mostraremos que o amor é a força motriz da Humanidade

Vocês tentam nos censurar, mas nós seguimos em frente
Ninguém vai querer nos dizer como iremos amar
O nosso amor é impopular por ser democrático

A onda de amor já está se levantando no horizonte
Não adianta tentarem calar os nossos corações
O amor é tudo o que precisamos para mudar o mundo

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

Figura De Linguagem


Figura De Linguagem

Andou, correu e voou como numa gradação
Opôs-se à minha presença como numa antítese
Pensei que ia morrer de amor como numa hipérbole
E o tum tum do meu coração se fez como numa onomatopeia
O seu olhar em omissão como numa elipse
Chovendo, assim, no molhado como num pleonasmo
Seduziu, sensualizou, dançou como num assíndeto
 E dançou, e dançou, e dançou, e dançou como numa anáfora
Sorria pra mim, mas me ignorava como numa ironia
O copo de cerveja falava comigo como numa personificação
Fazendo a minha loucura parecer sã como num hipérbato
Com paixão, com amor e com tesão como num polissíndeto
Surrupiou o meu coração de mim como num eufemismo
Tornando-se a minha razão de viver como numa metáfora
Queria trocar a minha paixão por você como numa metonímia
Posso ter todas as figuras de linguagem para tentar retratar
Mas a sintaxe do nosso amor não se explica
A minha gramática e só te amar e amar
Ironicamente, nosso romance não se escreve em verso ou prosa
É literatura moderna, que toma qualquer forma ou conteúdo
É Machado, é Rodrigues, é Coloneze, é Seidel, é Marques
O nosso amor é qualquer coisa, como uma figura de linguagem

sábado, 8 de fevereiro de 2020

Não Escrevo Como Antes

Não Escrevo Como Antes

Já não escrevo como antes
A vida não é só amor ou dor
Me vejo em versos distantes
E a vida não tem mais o mesmo sabor

Cansei do meu ponto de vista raso
O que sinto é diferente do que vejo
Me perco num momento ao acaso
Me perco no gosto de um beijo

Minha alma já se encontra cansada
A minha mente se perde, vagueia
O corpo se opõe a vida levada
Enquanto ainda corre sangue na veia

O caráter se molda nos sins e nãos
Narciso achava feio o que não era espelho
O vil metal ainda é riqueza para as mãos
Gosto quando o sol tinge a sala de vermelho

Queria livros que contassem a minha história
Mas não se vê glórias em perdedores
Talvez meus textos me avive a memória
E eu me desfaça dos falsos amores

Eu já não escrevo como eu escrevia
As palavras ditas hoje me são estranhas
Aquelas que eu pronunciei quando não devia
E que hoje me parecem queimar as entranhas

quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

Esse Sou Eu


Esse Sou Eu

Vão querer te dizer o que vestir
O que comer ou beber e aonde ir
Vão te impor uma forma de pensar
Como agir ou sentir e o que falar

Vão te mostrar o que é “certo”
Vão te fechar o que é aberto
Vão te calar os altos gritos
Vão te impor cru ao invés de frito

Vão querer te impor condições
Vão querer te impor emoções
Vão querer te impor dores
Vão querer te impor sabores

Mas entenda, cada um é um
Todo ser humano é incomum
Ser diferente é plenamente normal
Essa é a verdade mais cabal

A alegria está em ser quem eu sou
Alguém que ninguém jamais pensou
Alguém que a cada dia se faz exclusivo
E que por isso é tão efusivo

Se eu fosse tudo o que querem de mim
Tenho certeza que seria o meu fim
Pois isso me jogaria no absoluto breu
Afinal, eu seria tudo, menos eu

segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

Ídolos

Ídolos

É tão estranho dizer adeus a um ídolo
Não somente por ter te proporcionado alegrias
Mas por ter servido de exemplo e de inspiração
Alguém em quem você se espelhava
Que te fazia acreditar que sua vida poderia ser diferente
Alguém que você via fazendo algo
E passava a impressão de que tudo aquilo era simples
Eu já enterrei muitos ídolos
Alguns por fazerem o encanto acabar
Outros por que a vida quis levá-los
Acontece que temos a impressão de que ídolos são heróis
Que não são seres humanos falhos e que cometem erros
Enxergamos eles como membros do Olimpo, semideuses
Super-heróis de histórias em quadrinhos
Mais fortes, mais rápidos, mais inteligentes que os normais
Acreditamos que eles sejam imortais
Mas bem disse o poeta: “É tão estranho, os bons morrem jovens”
E quando vemos a face mais humana desses semideuses
É que nos damos conta do quanto a vida é breve
O quanto ela é um piscar de olhos
Nossos ídolos não deixam o nosso imaginário
Não paramos de imaginar a volta perfeita dentro do carro
A aceleração final na pista de atletismo
O arremesso certeiro no estouro do relógio
O show magistral em apoteose e êxtase
O último recitar da poesia tão marcante
O perecimento do ser humano é natural e irrefreável
Não temos como lutar contra a morte
Mas quando os nossos ídolos se vão
A gente percebe que até os grandes um dia partem
E nos deixam a impressão de que a vida é muito mais
Que devemos valorizar cada segundo
Que cada instante conta, que cada momento é importante
Que não podemos deixar a vida escorrer por entre os dedos
A gente nunca sabe o dia de amanhã
No fim das contas, famosos ou não
Somos sempre o ídolo de alguém
Sempre inspiramos as pessoas a serem melhores
E no fim, o importante é saber o que deixamos de legado
E legado é a forma como as pessoas vão se lembrar de nós
Que no dia que eu me for, eu seja como meus ídolos
E deixe para trás um legado de amor e inspiração

terça-feira, 21 de janeiro de 2020

O Discurso Do Rei

O Discurso Do Rei

Não frise o cenho ao ler minhas palavras
Elas não são imperativas, mas reflexivas
O meu discurso não é de fácil compreensão
Precisa-se de certas capacidades cognitivas

Mas sempre fiz os alertas necessários
Para que todos estivessem de olhos abertos
Com os ouvidos atentos aos ruídos falados
Alerta ao que nos deixa boquiabertos

O ódio encarnado em discursos religiosos
A morte estampada em palavras de vida
A mentira verdadeira na boca dos mentirosos

O falso rei e seus discursos asquerosos
O sangue dos inocentes fez suas mãos tingidas
Que mata a democracia em atos jocosos

quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

Toda Vez Que Se Mata O Amor

Toda Vez Que Se Mata O Amor

Já julguei tantas vezes ter encontrado o amor de uma vida
Só que eu morri cada uma das vezes e ninguém notou
Para que todos esses romances tenham feito sentido para mim
Afinal, cada vida que eu morri, eu amei de corpo e alma
E tive que renascer das profundezas da desilusão amorosa
As lágrimas derramadas serviram como o Dilúvio
Matando-me por ser infiel ao amor que eu não mais sentia
Cada morte era anunciada por um término de relação
E em cada renascimento, começava uma nova vida
Julgando-me novamente incapaz de amar um bom amor
Até achar um novo bom amor para eu poder amar
E quando por ele eu me entregava de cabeça, novamente
As profecias de morte ao longe se anunciavam
Pois, mais uma vez o amor me mataria com o fim
E então, tal qual a fênix, eu ressurgiria das cinzas
Das profundezas de minha alma renascida em trevas
Até que no horizonte de minha alma se avizinhasse
Um arco-íris de cores vibrantes trazendo a esperança
E o amor me germina e me gera mais uma vez
E sigo o ciclo de nascer e morrer em cada paixão
Com a fé inabalável de que todo amor dura uma vida inteira
Mas que se morre toda vez que se mata o amor

terça-feira, 14 de janeiro de 2020

Me Desfiz

Me Desfiz

Eu já te quis demais
De mais a mais
O tempo passou

Ficaram as marcas
E as mágoas
E tudo mudou

Fui feliz por anos
Mas sofri seus danos
E me desfiz

Caí e me levantei
Muitas lágrimas chorei
Tentando ser feliz

Despois da desilusão
Remontei meu coração
Por pura insensatez

Perdi o medo de sofrer
De amar não vou morrer
Amor é uma desfaçatez

sexta-feira, 3 de janeiro de 2020

A Revolução Dos Animais

A Revolução Dos Animais

Maldita hipocrisia esquizofrênica
A revolução dos bichos já começou
As raposas tomaram conta do galinheiro
O burro chegou à presidência
E as hienas estão em volta aplaudindo
Só que o povo não é composto por ovelhas
Esse é o nosso Brasil brasileiro
Onde a vaca comemora abertura de açougue
O veado torce pelo caçador
As formigas acham que são bota
Enquanto todas são comidas pelo tamanduá
E por aí, os macacos seguem iguais
Mudos, cegos e surdos
Jogam pérolas aos porcos
Mas os mesmos só querem lavagem
A pomba branca aqui faz arminha com a mão
E o chyuaua vira pitbull nas redes sociais
Aqui, cobra dá rasteira em cobra
A mudança está nas mãos do bicho preguiça
Bodes velhos expiam tudo do alto de suas coberturas
Dizem que o problema são as piranhas e os veados
Mas o boi manso se enfurece em nome do país
Enquanto os tubarões se alimentam no congresso
As vacas de presépio aplaudem todos os erros
E a bicharada não se entende nessa selva de pedra
A manada é tocada para o abate
Enquanto cada cachorro lambe a própria caceta
Quando os gatos saem, os ratos fazem a festa
Mas a gente bem sabe: Quando o navio começa a afundar
Os ratos são os primeiros a se jogarem no mar
No fim, a foca fica sempre com a bola no nariz
E o peixe palhaço não vê graça em nada