A Carta
Foi
mal, fraquejei, não consegui segurar a onda e fiz o que fiz
Desculpa,
mãe! Te pedi colo naquele dia e você não pode dar, meu irmão estava precisando
mais de você
Desculpa,
pai! Tentei conversar com você, mas o jogo do Mengão era mais importante, se
lembra?
Liguei
para o João (meu melhor amigo) há duas horas
Ele
disse que não podia falar, pois ia começar a pelada com os amigos
Liguei
para a Ana (minha melhor amiga) há meia hora
Ela
não podia atender, pois o peguete dela tem muito ciúme de mim
Pois
é, busquei até nas minhas redes sociais alguém para conversar, alguém para eu
me abrir
Mas
em meio a mais de 2500 conexões virtuais, ninguém pode parar para me ouvir
E
a dor não parava, a dor não me dava trégua
Quantas
vezes meus amigos me chamaram para sair e eu sem ânimo para sair do quarto
disse que não iria?
Acho
que se cansaram de me chamar, já que meu telefone não toca há um mês
O
meu quarto parece um calabouço onde ao mesmo tempo me sinto prisioneiro e
capataz
Fiquei
aqui no escuro, pedindo para que alguém se importasse, que alguém me desse
ajuda
Muitas
vezes vocês disseram que eu tava era querendo atenção, pois bem, não era
atenção o que eu queria
Eu
precisava de ajuda, um abraço, de alguém que me colocasse no colo e me falasse que
ia ficar tudo bem
Precisei
de apoio e não tive, precisei de ajuda e ninguém me deu
Sei
que todo mundo sabe a dor que carrega e que muitos se viram sozinhos
Mas
eu não consegui mais, me sinto fraco, impotente, com toda essa dor e ninguém
para compartilhar
Busquei
ajuda profissional, mas sinceramente, 45 minutos, uma vez por semana, não curam
anos de tristeza
Essa
carta não é para apontar culpados, mas sim para pedir desculpas
Sei
que fui fraco, que desisti, me senti sozinho e desamparado
Desculpa,
Zuleica, a sujeira na banheira vai ser grande, mas era preciso
Tinha
que dar cabo dessa dor que me consumia e só consegui pensar na faca de
churrasco
Me
desculpem os que vão chorar com a notícia
Espero
que vocês prestem mais atenção aos amigos que estiverem mais reclusos
Não
comparem as dores, não façam pouco caso da dor alheia
Você
não sabe o que o outro passou, você nem se importa de verdade com ele a ponto
de saber
Se
posso deixar uma mensagem, é se importem mais com os outros, a vida não é uma
competição
Seja
sincero, ame profundamente, não se preocupe com o amanhã, pense no hoje, dê
carinho
Mande
mensagem, ligue, vá ver como está seu amigo
Aquilo
que muitas vezes você pensou que era frescura era depressão
Hoje
você se lamenta por não ter me procurado, mas agora é tarde
Não
vou estar aqui para ver você perceber que essa doença é grave e letal
E
pode acometer qualquer um, sem distinção de cor, raça, sexualidade, gênero ou
credo
Só
peço que vocês se importem mais, se interessem mais, uns pelos outros
Quem
sabe assim, eu morto, ajude vocês a perceberem o que vocês não perceberam em
vida
Que
toda dor machuca, mas nem todo mundo consegue aguentar