terça-feira, 11 de setembro de 2018

A Carta


A Carta

Foi mal, fraquejei, não consegui segurar a onda e fiz o que fiz
Desculpa, mãe! Te pedi colo naquele dia e você não pode dar, meu irmão estava precisando mais de você
Desculpa, pai! Tentei conversar com você, mas o jogo do Mengão era mais importante, se lembra?
Liguei para o João (meu melhor amigo) há duas horas
Ele disse que não podia falar, pois ia começar a pelada com os amigos
Liguei para a Ana (minha melhor amiga) há meia hora
Ela não podia atender, pois o peguete dela tem muito ciúme de mim
Pois é, busquei até nas minhas redes sociais alguém para conversar, alguém para eu me abrir
Mas em meio a mais de 2500 conexões virtuais, ninguém pode parar para me ouvir
E a dor não parava, a dor não me dava trégua
Quantas vezes meus amigos me chamaram para sair e eu sem ânimo para sair do quarto disse que não iria?
Acho que se cansaram de me chamar, já que meu telefone não toca há um mês
O meu quarto parece um calabouço onde ao mesmo tempo me sinto prisioneiro e capataz
Fiquei aqui no escuro, pedindo para que alguém se importasse, que alguém me desse ajuda
Muitas vezes vocês disseram que eu tava era querendo atenção, pois bem, não era atenção o que eu queria
Eu precisava de ajuda, um abraço, de alguém que me colocasse no colo e me falasse que ia ficar tudo bem
Precisei de apoio e não tive, precisei de ajuda e ninguém me deu
Sei que todo mundo sabe a dor que carrega e que muitos se viram sozinhos
Mas eu não consegui mais, me sinto fraco, impotente, com toda essa dor e ninguém para compartilhar
Busquei ajuda profissional, mas sinceramente, 45 minutos, uma vez por semana, não curam anos de tristeza
Essa carta não é para apontar culpados, mas sim para pedir desculpas
Sei que fui fraco, que desisti, me senti sozinho e desamparado
Desculpa, Zuleica, a sujeira na banheira vai ser grande, mas era preciso
Tinha que dar cabo dessa dor que me consumia e só consegui pensar na faca de churrasco
Me desculpem os que vão chorar com a notícia
Espero que vocês prestem mais atenção aos amigos que estiverem mais reclusos
Não comparem as dores, não façam pouco caso da dor alheia
Você não sabe o que o outro passou, você nem se importa de verdade com ele a ponto de saber
Se posso deixar uma mensagem, é se importem mais com os outros, a vida não é uma competição
Seja sincero, ame profundamente, não se preocupe com o amanhã, pense no hoje, dê carinho
Mande mensagem, ligue, vá ver como está seu amigo
Aquilo que muitas vezes você pensou que era frescura era depressão
Hoje você se lamenta por não ter me procurado, mas agora é tarde
Não vou estar aqui para ver você perceber que essa doença é grave e letal
E pode acometer qualquer um, sem distinção de cor, raça, sexualidade, gênero ou credo
Só peço que vocês se importem mais, se interessem mais, uns pelos outros
Quem sabe assim, eu morto, ajude vocês a perceberem o que vocês não perceberam em vida
Que toda dor machuca, mas nem todo mundo consegue aguentar

Nenhum comentário:

Postar um comentário