Dia Das Bruxas

Dia Das Bruxas

Deixa ferver o caldeirão

Pois hoje a noite é nossa

Dos filhos das sombras

Dos seres noturnos

Daqueles que ouvem vozes

Dos que adoram a lua

Hoje é dia da lua se banhar de sangue

E subir vermelha sobre todos nós

Morcegos batem suas asas

Gatos pretos sobem nos telhados

Corvos se empoleiram nas árvores

Os caldeirões fervem com poções

As correntes e grilhões se arrebentam

Os corpos se debatem nas catacumbas

Os caixões se abrem de dentro pra fora

A penumbra abraça os loucos

Os incompreendidos tomam as ruas

Haverá choro e ranger de dentes

Os espectros vão se materializar na nossa frente

As criaturas da noite irão sair para brincar

Corujas, ratos, cobras e lagartos

Aranhas, salamandras e escorpiões

Rosas negras irão perfumar a noite

O cheiro de morte parecerá doce

Todo ser vivente sentirá um frio na espinha

Quando do cair da noite

Pois as bruxas reinarão mais uma vez

Para trazer a escuridão da noite eterna

Como bem disse o sábio:

“Eu não acredito em bruxas

Mas que elas existem, existem”

Só os poetas saberão a verdade

E a verdade é que não há verdade

Herói De Mim

Herói De Mim

Não tente me julgar pelas minhas parcas vitórias

Eu vou além das derrotas que a vida me causou

Sou de conquistas invisíveis e pouco lográveis

Eu já morri diversas vezes e morrerei mais algumas

Mas sigo em frente nas minhas batalhas

Afinal, só o herói sabe o quanto dói

Mando e desmando em meus domínios

Já perdi a vida para não me deixar escravizar

A guerra me deixou sequelas intransponíveis

O campo de batalha em meu peito está devastado

A intangibilidade das minhas dores não as torna suaves

Mas eu luto como um samurai a minha dura missão

Nas minhas mãos estão as marcas estigmatizadas

Já não me alimento da complacência alheia

O que me fortalece é o meu amor próprio

Pois, quando eu caio, eu me levanto

E morro um pouco a cada queda

Morro um pouco mais a cada dia

Mas é assim que eu me sinto vivo

Sabendo das minhas limitações vãs

Certo de que minha sanidade está afetada

Tentam me fazer me ver como um vencedor

Mas só venci no dia em que fui concebido

Desde de então são só batalhas

E eu sigo firme no meu propósito

Eu encaro o abismo e ele me encara de volta

E me pergunto se a vida é mesmo assim

Tudo aquilo que se faz entre o nascer e o morrer

Sobrevivo a mim mesmo

E chego ao final de mais um dia sendo eu mesmo

Sabendo que só eu posso ser o meu herói

Que só eu posso ser herói de mim

O Corvo

O Corvo

Você me pediu um beijo

Eu só tinha para dar meu coração

Para você foi só mero desejo

Para mim era sonho e não é ilusão

Acreditei que eu podia amar de novo

Quem sabe assim, colar meu coração em pedaços

Mas só que eu sou como um velho corvo

Que não se dá bem em bons regaços

Prefiro a noite e as sombras

O brilho da esperança me cega

Paixão que causa náuseas e lombras

Desisto da derradeira utopia

Animal selvagem não se pega

Não provar do amor é a minha agonia

Questões

Questões

Quem te escuta no meio da noite escura?

Ou vai ouvir os seus lamentos na madrugada?

Quem tá disposto a saber o que se passa contigo?

Ou quer entender o que te acorda no meio do sono?

Será que o seu poeta preferido é um fingido?

Ou que as dores no LP são todas forjadas?

O filme mudo fala ao seu coração?

Ou a novela retrata histórias de amor falsas?

Você não percebe o seu coração pesado

É tanta miséria e tragédia no noticiário

O mundo cão está estampado na capa da revista

Enquanto mais um jovem morre de fome na África

O deputado é pego num esquema de propina

O óleo vaza nas praias virgens do Nordeste

Mas na rádio a solução é capitalizar

A caravana não para enquanto os cachorros latem

Ninguém te escuta no meio da noite escura

Ninguém ouve os seus lamentos na madrugada

Ninguém tá disposto a saber o que se passa contigo

Ninguém quer entender o que acorda no meio do sono

O seu poeta preferido foi pego no plágio

O LP tá arranhado, então ele pula as dores

O filme mudo perdeu a voz com tempo

As histórias de amor da TV são baseadas em fatos reais

Você percebe o seu coração pesado?

Com tanta miséria e tragédia no noticiário?

Quem vai querer o mundo cão na capa da revista?

Deixou morrer de fome mais um jovem na África?

Que deputado não tem um esquema de propina?

De quem é o óleo que vaza nas praias virgens do Nordeste?

Será que a solução é só capitalizar?

A caravana um dia vai parar quando os cachorros latirem?

Meu Celular

Meu Celular

Meu celular é comunista

Entrou no horário de verão pra ir pra pista

Meu celular é comunista

Entrou no horário de verão pra ir pra pista

O presidente mandou acabar

Disse que o horário verão não é ufanista

Que o povo não tem que comemorar

Afinal o capitão é chauvinista

Chama o prefeito para poder ajudar

Carnaval é uma coisa hedonista

Mas meu celular que festejar

E não aceita ação intervencionista

Meu celular é comunista

Entrou no horário de verão pra ir pra pista

Meu celular é comunista

Entrou no horário de verão pra ir pra pista

Bota a Peppa no meio do laranjal

O bolsominion vem todo chicanista

Sobe a hashtag contra o nosso carnaval

Chuva dourada dá prazer no onanista

Esse Google com essa atitude marginal

Desacata o capitão que é visionista

Mas me deixa ir curtir meu carnaval

Só vem pra rua quem não for bolsonarista

Meu celular é comunista

Entrou no horário de verão pra ir pra pista

Meu celular é comunista

Entrou no horário de verão pra ir pra pista

A Flor Do Beija-Flor

A Flor Do Beija-Flor

Essa história de amor

Não é tão simples assim

Por ter um certo clamor

E um tanto de mim

Busquei bom caminho

Quando sem direção

Um pássaro sem ninho

Uma flor sem chão

Mas te vi donzela

Sendo eu pobre diabo

Na espreita da janela

Só um mal acabado

Desejei a fina flor

Que engalana a vida

Para provar o seu sabor

Te dar a preza devida

Quando ouvia a cotovia

Acelerava-me o coração

O orvalho que aluvia

Os passarinhos passarão

Arrancaram a flor mais bela

Que abatida ao chão quedou

Me avisara a libélula

Que a flor me olvidou

Eu não podia crer nesse destino

Doeu meu coração enamorado

Como desfazer tal desatino?

Morrer de amor seria meu fardo?

Eu fui voando te achar

Ato de qualquer apaixonado

Teu amor vem te buscar

Se fazendo até empavonado

Ao te encontrar gelei

Sem saber se irias me querer

Ao me aproximar, me revelei

Percorreria o mundo pra te ter

Por onde fores

Eu também vou

Por onde flores

Eu, beija-flor

Os Monstros

Os Monstros

Agora que os monstros saíram debaixo da cama

Não sinto mais medo de dormir no escuro

Eu sinto mesmo é medo de andar no meio da rua

Em meio a tantos monstros travestidos de gente

O meu problema é com lobo em pele de cordeiro

É com os santos do pau oco

Com os falsos heróis

Os falsos mitos

Os falsos juízes

Os falsos amigos

Os falsos amores

Eu não suporto essas coisas descartáveis

Sejam pessoas, amizades, empregos ou corações

Eu gosto do que é duradouro

Valorizo aquilo que marca, que fica

Que traz sempre um sorriso bobo ao rosto

Gosto dos textos para serem decorados

Das músicas que me fazem rir, chorar e pensar

Dos abraços apertados em dias de verão

Das conversas de bar com os amigos

Das lições compartilhadas pelos meus pais

Eu gosto de ser alguém decente

Que pensa no bem do próximo

Que luta por um mundo ideal

Que acredita que essa vida é para ser feliz

Não quero ser como vocês

Mercenários de sentimentos

Vendedores de ilusões

Amantes do dinheiro

Saqueadores de esperança

Para mim, me basta ter amor e saúde

O resto é o cheiro de chuva de verão

É um verso de Drummond

É a Lua que me namora

Não quero pressa

Mas quero o agora

AcabArte

AcabArte

Acabem com a arte!

Esse negócio de fazer pensar é perigoso

Preferimos as pessoas incultas e ignorantes

Sem saber a diferença entre o certo e o errado

Entre o exato e o duvidoso

Incapazes de concatenar ideias

Não me tragam pessoas que pensam

Essas são subversivas e sub-humanas

Subextrato de uma subgente

Incapazes de se aterem aos seus lugares

Irrequietos, inconstantes e questionadores

Querem saber de mudanças e igualdades

Falam de esperança e novidades

Corrompem as mentes alienadas

Ao cego, ela faz ver

Ao surdo, faz escutar

Ao mudo, faz falar

Ao ignorante, faz pensar

A mente é como o guarda-chuva

Se não for aberto não seve de nada

Então, abra um livro

Abra a mente

Abra a porta

Não fique trancado esperando que decidam por você

Não deixem ninguém acabar-te

Não acabe com a arte

Que a arte nunca acabe

E que ela seja a força que impulsiona as mudanças

Juízo Final

Juízo Final

Eu injetei a morte em mim

O seu doce veneno me inebria

Me matando pouco a pouco

Por dentro, um pedaço a cada dia

Vou perdendo a minha vida

A cada notícia dantesca que não me entristece

A cada criança que me pede esmola

Em cada pulsar o meu coração enrijece

O mal se apropria da minha alma

A podridão em mim é maior que a de um lixão

E vou me perdendo de mim mesmo

Fazendo da minha vida a minha perdição

O meu prazer já não é mais aprazível

Finjo felicidade para enganar os incautos

Entorpeço minha mente com textos patéticos

Fingindo que a morte não lançou seus arautos

O pouco de humanidade que me resta é triste

O pouco de tristeza que me resta me cala

O pouco do meu calar que resta me cinge dor

O pouco da dor que me resta me entala

E vou assim, morrendo pouco a pouco

Com cada bala perdida que mata um igual

Em cada maldade praticada por outrem

Com a certeza do que me espera no Juízo Final

Um Segundo

Um Segundo

Como é bonito aqui

As luzes, as cores, as formas

Um prado com animais

Uma bela cachoeira ao fundo

Uma música boa e tranquila

Uma sensação de paz que domina

Todos caminhando na mesma direção

Eu não sei o que eu tô fazendo aqui

Vejo tantas pessoas com o rosto sereno

E eu me sinto harmoniosamente em paz

As minhas dores eu já nem me lembro mais

Eu só sinto um fogo acolhedor

Que queima por trás dos montes

E os pássaros gorjeiam alegremente

A minha vida já não significa nada

Eu só sou mais um na multidão

Viajo ao infinito, chego a flutuar

Parece o arrebatamento

Já não tenho motivos para querer partir

Ficar aqui já é o que faz sentido para mim

Só não sei aonde é que estou

Muito menos como cheguei até aqui

Só sei que eu fechei os olhos

Um segundo antes do beijo roubado

Na Madruga

Na Madruga

Eu queria ver você chegar aqui na madrugada

Só para poder falar que eu estou esperando por você

E você conseguir falar que a sua alma também está enamorada

Que o seu sonho é em seus braços conseguir me ter

Não consigo mais saber se isso tudo é só um sonho

Ou se você realmente está batendo na minha porta

Agora estou aqui com esse ar meio bisonho

E essa minha cara amassada e toda torta

Mas a felicidade que toma conta de mim

É tamanha, exata e sem precedente

Não consigo saber se esse sonho é bom ou ruim

Só sei que eu quero você aqui em meus braços como um presente

Pode chegar e tirar minha roupa beijar minha boca e fazer o que quiser

Pode velar meu sono, deitar comigo no colo e me fazer um cafuné

Que tudo o que a gente viva seja até qualquer hora ou nunca mais

Mas que a gente se esvaia de amor enquanto a gente for capaz