quinta-feira, 27 de junho de 2019

Prados Verdejantes


Prados Verdejantes

Não insista em me buscar com seu olhar torpe
A sua estupidez já deixou tudo bem entendido
A minha paz não será consumida por você
Eu já não serei joguete no seu pomposo palco

Cortei as cordas para deixar de ser marionete
Saio assim, do tabuleiro do seu jogo da vida
Libertando-me da sua rede de intrigas enjambradas
Fugindo dos mau-agouros das suas palavras

Não me deseje bem só da boca para fora
Se você me deseja o mal em sua ausência
Que o amor que eu te tinha sirva de alento
Mas que o desamor que me dirige não prospere

Suma com a sua “mistura de atraso com psicopatia”
Não venha querer me deixar preso em sua loucura
O que você chama de amor, eu chamo de maldade
Eu não vejo com bons olhos os seus maus sentimentos

Já me cansei dessa sua conveniente insanidade temporária
Não serei infeliz por conta de uma escolha pessoal sua
Irei deitar com a minha cabeça tranquila no travesseiro
Eu lutei pelo amor que um dia nos juramos sob a lua

Me deixe com a minha paz que eu não quero guerra
A solidão a dois é mais sofrida do que o abandono
É melhor você buscar a sua felicidade em outros pastos
Os meus prados verdejantes não te comportam mais

quarta-feira, 26 de junho de 2019

Roupas No Varal


Roupas No Varal

Já lavei três vezes as roupas que estão no varal
Só pra ver se o seu cheiro delas some
Você partiu, mas sua presença ainda é fulcral
Embora aqui em casa eu não diga o seu nome

As nossas fotos eu já apaguei do celular
E o tempero da comida eu também mudei
A aliança nossa eu fui no banco penhorar
E todos os móveis da casa eu troquei

Mesmo tentando não lembrar
Não consigo me livrar
Você me vem à cabeça a todo instante

Basta a chave na porta colocar
Para a lembrança me pegar
Ainda guardo nosso álbum na estante

A gente se amou
Disso eu sei
Mas você preferiu ter um final

A dor que ficou
No seu lugar
Depois que você me disse tchau

terça-feira, 25 de junho de 2019

No Calabouço


No Calabouço

O calabouço da alma lhe prendia
Atando aos grilhões de mágoas
Chorando pela dor que lhe perseguia

Refém de um passado sofrido
Com desamores e desilusões
Sorria para esconder o choro contido

Abraçou a dor como colete salva-vidas
Achando que a mesma lhe teria pena
A dor se diverte com almas sofridas

Perdeu a sanidade ao partir seu coração
Uma lobotomia se faz necessária
Para curar uma mente em abstração

Se o fundo do poço tem o cheiro do amor
Tente escapar cavando com as suas mãos
A paixão não pode causar tanto clamor

A catatonia de um coração errante
Cansado de tanto desprezo alheio
Sofre buscando o amor, pobre recalcitrante

segunda-feira, 24 de junho de 2019

Aprendizado


Aprendizado

Resolvi tirar de mim o peso de ser eu mesmo
Mudar aquela visão tacanha que eu tinha de mim
Deixando de lado a grandiosidade dos meus defeitos
E me entregando mais as benfeitorias das qualidades
Aceitando que eu sou como sou por tudo que vivi
E abraçando assim, aquela pessoa que me tornei
Visando aprimorar o que eu não gostava no meu ser
E trabalhando para melhorar o que eu tinha de bom
Refiz o meu caminho do meu nascimento até o presente
E observei as escolhas que tomei e as que tomaram por mim
Aprendendo que de tudo se tira uma lição interessante
O amor e a dor ensinam com a mesma clareza
A gente que às vezes não percebe a verdadeira intensidade
Notei que o pretérito fora mais que perfeito para mim
E que o futuro do meu presente será triunfante
Redimi os meus pecados, venci meus medos
Avistei no passado a chave para o meu futuro
Deixei de ser meu maior crítico e algoz
E assim, passei a me olhar com melhores olhos
Permitindo-me alcançar o meu máximo potencial
Ser aquilo tudo que eu sempre quis ser
Um bom ser humano, capaz de amar e ser amado
Os amores que vivi antes foram só aprendizado
Para eu chegar hoje e maduramente perceber
Que amor verdadeiro não é o de conto de fadas
Amor de verdade é o que a gente tá disposto a viver
Uma lição entendida a duras penas
Pois chorei, sofri, morri e doeu... E como doeu
Mas a dor me mostrou que eu ainda estava vivo
E se eu estava vivo, eu poderia lutar... E eu lutei
Agora, levo a vida leve que me leva a viver
Sabendo que antes eu pensei ser amor
Mas hoje eu só quero amar, se for para amar você

sexta-feira, 21 de junho de 2019

Percalços


Percalços

Estive distante por tanto tempo
Isolado em mim, assim à deriva
Sentindo a dor de cada contratempo
A vida bate, mas não tenho esquiva

Sinto a dor de ser mais um aqui
Sofrendo as mazelas da desilusão
Não quero que sofram o que sofri
Mas hoje já não tenho um coração

Uso as minhas dores como combustível
Queimo-as como lenhas na fogueira
Tento acabar com uma vida tão sofrível
Permitindo que essa dor seja a derradeira

Desfaço-me dos meus percalços malogrados
E foco na simplicidade de felicidades momentâneas
Deixando de lado os amores mal-amados
Atento as minhas questões mais consentâneas

quarta-feira, 19 de junho de 2019

Mitos E Heróis

Mitos E Heróis

Dois pesos e duas medidas
Aos amigos tudo, aos inimigos nada
Os fins justificam os meios
Desde que sejam os fins que você almeja
Corrompendo para alcançar corruptos
Corruptores acusando corrompidos
Dois lados da mesma moeda
Tratando criminosos como heróis
E bandidos como mitos
Acreditando nos homens
Esquecendo-se dos ideais
Em uma sociedade doente
O importante é quem ataca mais
Seja o capitão ou o juiz
Ninguém suprime a Constituição
Enquanto isso o povo segue enganado
Acreditando no sebastianismo
Na volta do salvador da pátria
Alguém que vai ser honesto, culto
Lindo, incorruptível, sincero e fiel
Temente a Deus, respeitador das diferenças
Mas enquanto esse dia não chega
Ficamos com aqueles que usam as leis a seu favor
Afinal, cada um corrompe aonde pode
Não é errado cometer crime de lesa-pátria
Desde que seja para pegar a petralhada
Saiamos com foices e forcados para as ruas
Enforquemos todo aquele que se opõe a nós
Quem não está ao nosso sentirá todo o peso da lei
Afinal, estamos do lado do Mito e do Herói
Que usam o poder ao seu bel-prazer
Falsos ídolos de um país doente
Que enxerga como inimigo aquele que é mais carente

terça-feira, 18 de junho de 2019

Incertas Dúvidas

Incertas Dúvidas

Me chamam de louco, idealista, insano
Como se acreditar em meus devaneios fosse errado
Como se dar vazão aos meus sonhos não fosse certo
Sou assim mesmo, acredito no impossível
Descubro a cada segundo que sou pequeno e limitado
Que tenho que me aperfeiçoar e melhorar mais e mais
E quanto mais eu me aperfeiçoo
Mais eu tenho que me aperfeiçoar
Respeito as minhas dúvidas e os meus medos
Entendo que não sou perfeito e nem de aço
Eu caio me machuco, tropeço, mas não fico no chão
Me levanto e vou em frente, aprendo a lição
Vou errando e errando novamente
Minha vida não é só de vitórias e conquistas
Quebrei já muito a cara, já me desiludi bastante
Talvez o suficiente para criar uma certa carapaça
Mas não é bem assim que a banda toca
Eu vou vivendo em meio a dúvidas
Sou o oposto da maioria que vive com certezas
Enquanto alguns ainda ficam com certezas
Vou me equilibrando entre as minhas dúvidas
Para tentar me manter são no meio de tanta gente que sabe de tudo
Enquanto eu só tento aprender mais e mais
Para descobrir que nada sei
Sou tido como ilusório ou ilusionista
Embaralhando pensamentos pré-moldados
Fugindo do estereótipo que tentam me impor
Não sou doutor ou vagabundo
Só estou vagando por esse mundo estranho
Aprendendo sobre o nada saber
E estudando sobre a minha ignorância
Lutando para ignorar o que quer se fazer certezas
Aprendendo a valorizar tudo aquilo que me causa dúvida
Indubitavelmente, aprendendo com empirismo
Tornando o certo em incerto para abrir novas possibilidades
Versando com lirismo, por aí, as minhas incertas dúvidas

segunda-feira, 17 de junho de 2019

Fobia De Escuridão

Fobia De Escuridão

Estou caminhando noite a dentro sem destino
Vagando por aí, em uma estrada mal iluminada
Ladeado de muros altos que me avizinham o olhar
Dando a impressão de que estou preso em um labirinto
Um lampião com uma luz bem fraca, ilumina a minha frente
Quando a luz, então, começa a piscar inconstante
Até que então, um vento arrepiante sopra e ela se apaga
E então, fez-se a escuridão
Sinto que o meu coração acelera depressa
Arregalo os meus olhos, mas a íris não suporta
O breu toma conta da minha caminhada
Me sinto ansioso ao ouvir passos em minha direção
A sensação do fim começa a tomar conta de mim
Arrepio todos os fios de cabelo do meu corpo
As pernas começam a bambear diante do perigo
O temor toma conta de mim e minhas mãos suam frio
Um vulto desforme cruza comigo pela escuridão
Vejo algo se movendo rapidamente no alto do muro
O seu olhar fixo em mim me dá calafrios
Os meus pelos da nuca me mostram que algo está errado
Ouço uma voz distante chamando o meu nome
Penso em correr, mas não consigo sair do lugar
Ouço mais passos vindo de trás de mim
Um farfalhar de asas me soa estranho
Dobro meus joelhos e toco o chão para me sentir seguro
Mas a verdade é que o terror já se apossou de mim
Vou engatinhando lentamente pela rua
Buscando sentir o cheiro e toque de algo além do breu
Sinto que alguém está me observando à espreita
Mas não consigo nem ver os meus dedos
A sensação de impotência e abandono proliferam
O medo agora é tangível e minha face se enrijece
A respiração já se torna ofegante e os sentidos me traem
Ouço uma gargalhada sinistra bem próxima de mim
Levanto a cabeça e vejo olhos brilhantes na minha frente
Olhei para o que eu não queria ali naquela rua
Agora será difícil esquecer aquela aparição
Sinto a presença de algo sombrio ali naquela estrada
Tento chegar até o muro caminhando apressadamente
Sinto um líquido viscoso penetrando por entre meus dedos
O cheiro de fogo, enxofre e fuligem me tomam as narinas
Não consigo saber o que é verdade ou imaginação
A mente já perdeu a razão, agora que estou aterrorizado
A sensação de que a minha vida está escorrendo pelas minhas mãos
Busco seguir até o fim do labirinto que me enfiei
Tento achar a saída, percorrendo todos os cantos tocados pelos muros
De repente me deparo com a figura mais ameaçadora que já vi
Seus olhos fitam os meus e sinto que minha alma está sendo sugada
Ela se aproxima de mim e eu dela, com cautela
Estico os braços para tocá-lo e então percebo
A figura em minha frente é meu reflexo no espelho

quinta-feira, 13 de junho de 2019

Amor De Cão


Amor De Cão

Caminho pela noite escura sob a lua da Guanabara
Observando o ônibus que vem ao longe em minha direção
Noto que a presença da insegurança é constante aqui
Estou há quase uma hora esperando o ônibus chegar
É complicado sair da zona sul e chegar ao Recreio de madrugada
São menos de 50 quilômetros, mas uma jornada essa hora da noite
Vejo a movimentação das mulheres na avenida Vieira Souto
Carros e motos param apressados e conversam com as moças
No quiosque em frente, pessoas animadas tomam um chope
É inverno, mas aqui é Rio de Janeiro, né? O calor tá matando
Vejo as luzes dos cigarros acesos na pedra do Arpoador
Jovens e adultos se alternam num baforar constante
Um casal se beija freneticamente rolando na areia da praia
Os surfistas se jogam no mar como se não houvesse amanhã
Restaurantes lotados de pessoas que esticaram a happy hour
Muitas gargalhadas, muita gritaria, muita diversão
Fixo o olhar ao longe, em um catador de latinhas e seu carrinho
Quando virou a rua, pensei até que fosse um caminhão
Mas era só uma carrocinha de catador iluminada e superlotada
O homem com sorriso no rosto, olhando lata por lata em seu caminho
Quando ele para em uma lata em frente ao hotel mais caro
Um carro de luxo cheio de rapazes bêbados passa devagar ao seu lado
Os endinheirados jogam bebidas e restos de comida no catador
O homem se resigna e apanha os restos do chão
A sua cara é de quem não come há muito tempo, pelo menos há um dia
O coitado se levanta e coloca a comida em sua carroça
Na mesma hora ele dá um assobio e aparece um cachorro do meio das latas
O vira-lata late e parece muito feliz
O rosto do homem se alegra quando o animal lhe lambe o rosto
Parece que há mais humanidade no cachorro do que nos homens do carro
Na porta do bar da esquina, um homem assiste a cena emocionado
Saía de um jantar com a namorada, carregando uma quentinha
Quando o catador vai passando por ele, o homem lhe entrega a quentinha
O catador para, agradece ao homem e senta para comer
Não sem antes dividir mais um pouco de alimento com o seu cão
Uma cena tipicamente carioca:
Um catador e seu cãopanheiro pela madrugada
Um homem que reparte o pouco que tem
E um outro que sabe abrir mão do que não vai precisar
Meu ônibus chega, subo nele e me encaminho para a minha casa
Cruzo com o catador brincando com o seu amigo cão
A felicidade dos dois está mais do que evidente
E mais uma vez, a noite sob a lua de Ipanema me dá uma lição
Me mostra que o amor é feito para quem sabe amar
Mesmo que você só tenha o amor de um cão

quarta-feira, 12 de junho de 2019

Conto De Fadas Carioca

Conto De Fadas Carioca

Ela nasceu no asfalto fervilhante da Delfim Moreira
Eu nasci entre becos e vielas do Vidigal
Crescemos em mundos opostos
Eu brincando com os pés no chão pela favela
Ela indo curtir o Mickey na Disney
Cada um com seu cada qual. Nascidos sob a mesma lua na Cidade Maravilhosa.
O pai dela, doutor renomado cheio da grana
Meu pai, eu nem sei quem é
Ela foi criada com tudo do bom e do melhor
Eu fui criado com amor e o que tivesse
Mas o mundo dá voltas, parceiro
Quem diria que a gente um dia ia se encontrar?
Quem iria dizer que a gente ia acabar se apaixonando?
Eu, negão. Ela, branquinha.
Eu só uso o cabelo black. Ela só gosta de andar bem penteada.
Eu trabalho e estudo para buscar uma vida melhor
Ela estuda na PUC e ganhou um carro de presente
Mas a vida quis assim: uma história de amor bem carioca
O plebeu preto, pobre e favelado.
E a princesa aristocrata, filha de magnata.
Mas o nosso romance é real e verdadeiro
Nasceu de um encontro por acaso no Samba da Cobal
Ela cercada de amigas e eu com os camaradas
Acabamos nos trombando meio sem querer
Ela derrubou a cerveja em mim e se desculpou
Eu chamei ela pra dançar e ela gostou do meu sorriso
Passamos a noite toda nos curtindo
Mesmo com a cara feia das amigas dela e as risadas dos meus amigos
Trocamos telefones e marcamos de nos encontrar de novo
Ela chegou com o motorista no Shopping Leblon
O meu busão parou logo ao lado da entrada
Fomos até a Travessa, gastei meu conhecimento de literatura
Falei de Neruda e Drummond, ela ficou impressionada
Os seguranças ressabiados com o negão de mão dada com a loirinha
Na hora de ir embora, ela pediu uma carona
Falei que eu ia custar caro, pois o busão agora é 4 e 10
Ela topou a aventura, saltou no último ponto antes da Niemayer
Descemos e caminhei até a porta do prédio dela
O porteiro chamou os seguranças, falou que era assalto
Os policiais chegaram e já iam me levando no carro para averiguação
É complicado ser preto, pobre e namorar filha de bacana
Ela falou que era só o seu namorado e todo mundo ficou de cara
Me liberaram das algemas, me tiraram da traseira do carro
Eu todo sem graça, fui agradecer a ela. E ela se desculpou
Falou que não entendia como isso ainda acontecia
Eu falei que isso era mais comum do que ela podia imaginar
Já fazem três anos desse dia e hoje estamos juntos ainda
Mais um dia dos namorados para comemorar
Juntei um dinheiro e vou levar ela pra jantar
Vai ser lá no Bar do Arvrão, na minha comunidade
Vista pro mar do Leblon e da cobertura onde ela mora
É só mais uma história de amor dessas que acontecem
Sob os braços do Redentor, com bênçãos aos apaixonados
Felizes para sempre em um conto de fadas carioca

terça-feira, 11 de junho de 2019

No Bar Da Esquina


No Bar Da Esquina

Cá estou eu, sentado à mesa do bar da esquina
No balcão, dois amigos conversam animadamente sobre amor
Na outra mesa, duas moças conversam sobre futebol
No balcão, o português oferece chopp gelado e um bom papo
O vendedor de amendoim torrado joga uma porção na minha mesa
O vendedor de flores passa animado procurando casais enamorados
As pessoas só querem retirar de seus corpos o stress do dia
E o garçom passa correndo de um lado para o outro
Sempre com chopes bem tirados na pressão
Os petiscos deliciosos e sempre quentes
A televisão sempre passando um jogo de futebol
E na vitrola, sempre uma boa música popular brasileira
Aquele clima tipicamente carioca
Muita alegria, muita risada, muita descontração
Até vi o garçom passando o bilhetinho de um cara para uma moça no balcão
A mesa de sinuca não fica vazia um instante
O barulho de copos, garrafas, garfos e pratos é intenso
Mas de repente se ouve um carro parar na porta
Quatro caras descem e vêm render os clientes
Gritaria, corre-corre, salve-se quem puder!
Os assaltantes controlavam a situação apontando armas para todos
O pânico tomava conta de todos os que antes se divertiam
O garçom tentava intermediar, para que o assalto não acabasse mal
Os homens encapuzados chutavam e ameaçavam todos os presentes
Seria só mais um assalto, se o seu Manoel não estivesse de saco cheio
Já era o quarto, só nas últimas quatro semanas
O português resolveu atender os seus instintos de cidadão de bem
Comprara uma arma para se defender de facínoras e aproveitadores
Saiu de trás do balcão atirando contra tudo e contra todos
E foi aí que o pipoco comeu solto no bar da esquina
Gritos desesperados de todos os lados
O vendedor de flores corre para fora do bar
Acaba sendo atingido pelas costas
As flores caem a sua volta
Seria lindo, se não fosse trágico
Os homens correm de volta para o carro
Carregando consigo os pertences dos presentes
E toda a quantia do caixa
Passando por cima do agonizante vendedor
Liga pro SAMU, dizem que vai demorar
E o vermelho do sangue do florista se confunde com o das rosas
A polícia chega, mas já é tarde demais
Mais um homem que morre por conta dos problemas do Rio
Violência, desemprego e falta de saúde
Mais uma vida ceifada na Cidade Maravilhosa

sexta-feira, 7 de junho de 2019

Uma Marquise Qualquer

Uma Marquise Qualquer

Vou seguindo o meu caminho
Ônibus lotado, trânsito infernal
No meio dos carros, vendedores ambulantes
De tudo se vende num sinal fechado
Só não se vende inocência
Cá estou eu, como mero viajante
Passageiro da agonia da cidade grande
Jovens de colégio público riem e falam alto
A idosa ao meu lado segura a sua bolsa com força
Mas tô na minha, ouvindo um som com meus fones
Já não me causa espanto o racismo alheio
Sigo firme, ouvindo um Mano Brown só pra relaxar
Sigo observando a cidade parada
Com seu ritmo pulsante e frenético
Um motoqueiro pede a bolsa da madame do carro importado
Dois homens se xingam por conta de uma fechada
Um caminhão enguiça na pista da esquerda
Um ciclista é atropelado por uma van clandestina
O ônibus já está parado há uma hora em frente à uma loja fechada
Olho para a marquise e vejo uma família instalada
Mais de dez pessoas, quatro adultos e seis crianças
Amontoados em um espaço que não cabe um carro
Mas cabe essa gente toda lá
Todos sujos, maltrapilhos e subnutridos
As crianças brincam de correr e pular
Parecem não perceber a miséria a sua volta
Ou o descaso das pessoas em seus carros importados
Uma inocência reinante entre elas
Parece que o mundo é bom e tranquilo
Não se importam com os carros passando apressados
Ou com a chuva que cai do lado de fora
Só querem saber quem corre mais de uma parede a outra
Fazendo da adversidade uma mera brincadeira
Achando que a vida é uma festa boa
Fazendo de seu reino aquela marquise
São príncipes e princesas marginalizados
Correndo descalços junto ao chorume e a chuva
Os ratos e os urubus se deitam ao seu lado
Pobres crianças, vítimas de uma sociedade doente
Vão perder sua inocência em uma calçada úmida
Eu observo da janela do ônibus e vejo o mundo lá fora
E penso que poderia ver o mundo com olhos de criança
Ter mais inocência, acreditar que tudo vai melhorar
E me pergunto: Aonde eu perdi a minha inocência?
Com certeza não foi embaixo de uma marquise ao relento
Mas a minha eu fui perdendo pouco a pouco
A cada bebê que nasce sob uma marquise
Na bela cidade do Rio de Janeiro

quinta-feira, 6 de junho de 2019

Mazelas Cotidianas

Mazelas Cotidianas

Muitos olham a cidade
Mas poucos a enxergam de verdade
Através de suas ruas, becos e vielas
O cheiro fétido de urina
A podridão que queima os pelos do nariz
O ar poluído que entorpece o vai-vem das ruas
O andar trôpego dos cidadãos perdidos
Os moradores de rua sem perspectivas
Aqueles outros que estão morrendo por dentro
Os copos meio cheios ou meio vazios nos botecos
As ruas que parecem artérias entupidas de lixo
Consumido por uma cidade boquirrota
Prostitutas, bêbados e loucos se divertem
Aproveitadores e desonestos se engalanam
E o frio massacrante do inverno corta na carne
As meretrizes se despem nos pontos da Atlântica
E os ricaços enchem seus narizes de farinha
Enquanto mais uma bala perdida acha alguém
Policiais não conseguem chegar ao assassino
E o juiz manda soltar o político corrupto
Mais um menino preto morre sem pai
Perpetuando na favela a mesma história
O transe frenético do mar de gente amontoada
Amordaçada e cheia de medo
Cedendo os seus direitos a torto e a direito
Enquanto os poderosos fumam charutos cubanos
Mais um idoso morre na fila de um hospital
Outro assalto acontece nos arredores da Central
Crianças sem escola por conta de uma ação da polícia
E todo mundo acha tudo comum
Enquanto eu enlouqueço um pouco mais a cada dia
Perdendo o pouco de sanidade que ainda me resta
A noite cai sobre a cidade e se abate a melancolia
Será mais um sequestro relâmpago
Mais um ônibus que para fora do sinal
Mais uma criança fugindo de casa
Mais um animal maltratado
Mais uma mulher espancada
Mais um deslizamento de terra
Tudo acontece ao mesmo tempo
E ninguém se dá conta de nada
Uma facada no Leblon é demais
Que se foda o que acontece em Costa Barros
A guerra de facções e milícias
Filho chora e a mãe não vê
Ou prefere não ver para não morrer junto
Lagosta na cela de Benfica
Quero ver o Caveirão ir atrás dos de colarinho branco
Mazelas cotidianas de um abandono
Crônicas viscerais da minha cidade
Que já foi maravilhosa
Mas amanhã é um novo dia
E começa tudo de novo
Vai ser tudo igual
E segue o baile
Um dia a menos ou a mais, tanto faz
O Rio de Janeiro continua indo...

quarta-feira, 5 de junho de 2019

Como Pôncio Pilatos

Como Pôncio Pilatos

Quase sem querer
Mas foi querendo mesmo
Você disse que era para melhorar
Mas piorou tudo de vez
O que foi esperança
Hoje é afasia
O que era desejo
Agora é realidade
E tudo se mostra diferente
Do plano traçado originalmente
O sonho virou ilusão
Não há vencedores ou vencidos
Só há o caos
Caçadores e cassados
E o mundo segue
A vida patina
E o país se “endireita”
Bangue bangue tupiniquim
O mais pobre passa fome
O negro continua morrendo
Em Brasília, 19 horas
E a voz do Brasil está muda
Temos idiotas úteis
Pois não temos educação
O Gigante adoeceu
E não tem como pagar pela saúde
O herói virou vilão
E fez do medo aliado
Você dá uma de Pôncio Pilatos
Lavando suas mãos para a situação
Parece querer tocar violino no Titanic
Mas estamos todos no mesmo barco
Que parece só querer andar para trás

terça-feira, 4 de junho de 2019

Na Memória


Na Memória

Separe o seu verso preferido
No seu poema preferido
Do seu escritor preferido
No seu livro preferido
E se lembre de mim

Escute o seu refrão favorito
Da sua música favorita
Do seu álbum favorito
Do seu cantor favorito
E se lembre de mim

Só quero ser a lembrança doce
Que te traz bons pensamentos
Que te lembra o primeiro beijo
Ou a sua comida preferida

Não me faça ser a nota de rodapé
Ou o rosto sem nome que te lembra alguém
Quero ser aquela saudade boa
Aquele pensamento que vai ao longe

Guarde em sua memória o que te é caro
Busque manter na lembrança o que te faz bem
Aquela que te traz um sorriso ao rosto
Aquele momento para a posteridade

Tal qual os versos do poema
Que você vai balbuciar até a memória te trair
Quero ser a última coisa que você vai se lembrar
Quando a sua memória falhar
No seu leito de morte

segunda-feira, 3 de junho de 2019

A Flor Da Despedida


A Flor Da Despedida

Ao horizonte a gente vê a flor
A sua semente caiu do céu
Bem sobre nossas cabeças
Assim que tocou a terra se abriu
Crescendo, crescendo e crescendo
Chamava a atenção com seu brilho
Um brilho intenso de luz e dor
Levando consigo tudo o que tinha no caminho
Antes, tudo existia
E agora, só o que existe é a flor
Com o seu abalo sísmico
Que é medido na escala Richter
Aquela grande flor
Que ao invés de alegrar
Causa dor
Que ao invés de perfumar
Destrói
Com seus megatons de força
Uma única flor
Que pode ser vista até do espaço
Mostrando assim ao mundo
Como uma flor pode ser mortal
Mais mortal do que espada
Mais mortal do que bala
A grande flor destrutiva
A flor feita pelo homem
A flor que mata por onde passa
Que destrói tudo o que toca
A mesma flor que nos avizinha o horizonte
Aquela que vai ser o fim e o reinício
Que é bela e mortal
A grande flor atômica
Só plantada em Hiroshima
Nagasaki e Moruroa
Uma flor
E fim