sexta-feira, 7 de junho de 2019

Uma Marquise Qualquer

Uma Marquise Qualquer

Vou seguindo o meu caminho
Ônibus lotado, trânsito infernal
No meio dos carros, vendedores ambulantes
De tudo se vende num sinal fechado
Só não se vende inocência
Cá estou eu, como mero viajante
Passageiro da agonia da cidade grande
Jovens de colégio público riem e falam alto
A idosa ao meu lado segura a sua bolsa com força
Mas tô na minha, ouvindo um som com meus fones
Já não me causa espanto o racismo alheio
Sigo firme, ouvindo um Mano Brown só pra relaxar
Sigo observando a cidade parada
Com seu ritmo pulsante e frenético
Um motoqueiro pede a bolsa da madame do carro importado
Dois homens se xingam por conta de uma fechada
Um caminhão enguiça na pista da esquerda
Um ciclista é atropelado por uma van clandestina
O ônibus já está parado há uma hora em frente à uma loja fechada
Olho para a marquise e vejo uma família instalada
Mais de dez pessoas, quatro adultos e seis crianças
Amontoados em um espaço que não cabe um carro
Mas cabe essa gente toda lá
Todos sujos, maltrapilhos e subnutridos
As crianças brincam de correr e pular
Parecem não perceber a miséria a sua volta
Ou o descaso das pessoas em seus carros importados
Uma inocência reinante entre elas
Parece que o mundo é bom e tranquilo
Não se importam com os carros passando apressados
Ou com a chuva que cai do lado de fora
Só querem saber quem corre mais de uma parede a outra
Fazendo da adversidade uma mera brincadeira
Achando que a vida é uma festa boa
Fazendo de seu reino aquela marquise
São príncipes e princesas marginalizados
Correndo descalços junto ao chorume e a chuva
Os ratos e os urubus se deitam ao seu lado
Pobres crianças, vítimas de uma sociedade doente
Vão perder sua inocência em uma calçada úmida
Eu observo da janela do ônibus e vejo o mundo lá fora
E penso que poderia ver o mundo com olhos de criança
Ter mais inocência, acreditar que tudo vai melhorar
E me pergunto: Aonde eu perdi a minha inocência?
Com certeza não foi embaixo de uma marquise ao relento
Mas a minha eu fui perdendo pouco a pouco
A cada bebê que nasce sob uma marquise
Na bela cidade do Rio de Janeiro

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