sábado, 12 de novembro de 2016

A Corrupção Nossa De Cada Dia

A Corrupção Nossa De Cada Dia

Continuando a minha linha de pensamento sobre a nossa sociedade estar perdendo os seus valores, me pergunto onde foram parar os grandes arautos da moral, justiça e anti-corrupção desse país, agora que estamos vendo dois pacotes de atrocidades serem votados, tanto no congresso nacional, quanto na ALERJ? Afinal, o povo, como sempre, vai sofrer primeiro na pele, antes de que os governantes realmente mudem as suas posturas e seus desperdícios de dinheiro.
Estamos vivendo a época do faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço. É gente que se diz contrária à corrupção, mas que corrompe e é corrompida em diversos aspectos da vida. Vide a moça que foi presa no ENEM por participar de um esquema para obtenção do gabarito da prova. Ela pagou R$ 180.000,00 (cento e oitenta mil reais) por isso. Ou seja, ela é contra a corrupção, desde que não seja a que beneficia ela, desde que não seja ela que esteja praticando, desde que seja apenas praticada pelos outros. Essa é a mentalidade de muitos, eles são contrários à corrupção, mas corrompem, mas são corrompidos, buscam sempre a facilidade para e eles e reclamam quando outros conseguem a mesma facilidade antes deles.
Pela lógica dessas pessoas, conta como corrupção, apenas o que é praticado pelos outros, eles cometem apenas pequenos deslizes, que não devem jamais serem considerados como atos corruptos. É como aquele pecador que vive apontando os defeitos alheios, mas se julga um santo. A ideia dos fariseus, os doutores da lei, que julgavam fazer tudo certo, mas que não ajudavam o próximo, discriminavam e tratavam mal aos outros. Para essas pessoas, é errado o esquema da Petrobrás, mas fraudar o ENEM não. Você pode ser um senador, como o Demóstenes Torres, que pregou contra o Mensalão, mas foi preso em outro tipo de esquema. É o povo que reclama das cotas, mas inscreve o filho, que estudou sempre nos melhores colégios e mora em bairro nobre, com o endereço da empregada no vestibular, para que ele concorra a vagas sociais. É triste, mas isso existe, de verdade.
Infelizmente, em nosso país, a corrupção é uma prática enraizada, onde as pessoas se corrompem onde podem. É adulteração de relógio de luz, é gato net, é DVD pirata, é sonegação fiscal, é cafezinho para policial, é furar fila no banco, é burlar regra de trânsito, é conta a menor que não se pede a revisão, é roubo de água da rede da CEDAE, é fingir que está dormindo para não ceder o lugar preferencial no coletivo, é jogar lixo no chão, é o sabe com quem você está falando, é a vantagem, é o jeitinho brasileiro, é toda forma de corrupção possível e imaginável. Porém, tudo isso é aceitável, a partir do momento que o beneficiado é você.
A hipocrisia é o que domina e reina nesse país, quando o assunto é corrupção, em diversos aspectos. Só ver que temos pessoas que se beneficiaram de ensino superior público, mas julgam que ensino superior público não pode ser para qualquer um. Ou quem recebe algum benefício por conta da sua função e critica os beneficiários de bolsa auxílio. Ou ainda, quem burla o sistema de cotas, se declarando negro e/ou pobre e além de ser loiro do olho azul, mora na Delfim Moreira. São tantos exemplos, que chega a enojar.
A verdade é que somos coniventes com a corrupção que nos beneficia ou não nos prejudica. Observo muito isso ao andar de coletivos. As pessoas sabem da existência dos bancos preferenciais, vão, sentam neles e aí depois reclamam de ter que ceder o lugar para algum preferencial. Eu sempre falo alto para as pessoas ouvirem que tem algum preferencial em pé no coletivo, e ainda assim, as pessoas começam a discussão, justamente porque a corrupção (sentar no lugar de preferencial e não ceder o lugar), beneficia aquela pessoa, aí então, não tem problema. A pessoa se indigna por ser obrigada a fazer o certo. Mas o pior é que a gente não se levanta contra esses fatos, acabamos acobertando esse tipo de atitude, essa nossa característica tão brasileira.
Somos um povo para o qual dar jeitinho e tirar vantagem é algo histórico, cultural. Quando você não faz tais coisas, é taxado de bobo, de burro, ou até de coisas piores. Ser honesto aqui é algo tão espantoso, que nós fazemos reportagem, mostramos em rede nacional, estampamos capas das principais jornais e revistas. Isso mostra o quanto, hoje em dia, nossos valores estão deturpados. É praticamente premiar alguém, simplesmente porque ele fez a coisa certa e isso é tão fora do comum em nossa sociedade que deve ser enaltecido.
Alguém acha um cheque e devolve ao dono, vai para a capa do jornal; devolve troco a mais, vai para a capa do jornal; rejeita um benefício indevido, vai para a capa de jornal; se nega a receber propina, vai para a capa de jornal; denuncia uma injustiça, vai pra capa de jornal; devolve dinheiro encontrado, vai para a capa de jornal... Sendo que em todos esses casos, só se está fazendo o que é certo, o justo, aquilo que é direito, aquilo que deveria ser extremamente comum, mas que mesmo assim não fazemos. Isso é a nossa tolerância com a corrupção. E essa nossa tolerância se dá por sermos um país injusto, sermos um país que não consegue ser justo, onde o conceito de certo e errado entram numa região cinzenta, que nos confundimos entre um e outro.
Nosso país não consegue impor justiça aos seus cidadãos, então, quando não se têm a noção de justiça, você fica mais tolerante com a corrupção, você passa a achar ela aceitável, afinal, seria uma forma de conseguir readquirir a justiça que não se consegue através das estruturas normais do país. Então, quanto mais injusto um país, mais corrupto ele é e quanto mais justo, menos corrupto ele é. Pode reparar, a corrupção está diretamente ligada ao conceito de justiça. Afinal, um país que reprime as desigualdades, tem justiça social, não oprime as minorias, respeita as diferenças, promove a igualdade e a fraternidade, daí se revoltar contra qualquer ato corrupto, uma vez que não há porque de ela existir em uma sociedade que dá certo.
Mas nós não somos assim, discriminamos,  prejudicamos, julgamos, propagamos o ódio, rechaçamos as minorias, desrespeitamos direitos, achamos que programas que visem a igualdade social é uma forma de criar vagabundos, somos racistas, misóginos, xenófobos, preconceituosos, pensamos no nosso próprio umbigo, achamos justo só o que nos beneficia e injusto tudo o que nos prejudica, reclamamos dos transportes públicos, mas nós vandalizamos os coletivos e estações, reclamamos da poluição, mas jogamos lixo no chão ou nos rios, fazemos fofoca, falamos mal, criticamos sem trazer alternativas concretas... Somos um povo doente, que não vê o quanto a corrupção prejudica a todos, principalmente a política.
Pra mim, em nenhum outro país do mundo tem-se a classe política que represente tão bem a sociedade do seu país como é a nossa. A nossa é a representação exata da nossa sociedade. Nela, encontramos pessoas de boa e de má índole, pessoas capazes e incapazes, pessoas sérias e outras nem tanto, mas acima de tudo, temos, porém, uma classe política extremamente corrupta e corporativa, preocupada com seus benefícios pessoais e pouco se importando com os outros. Ocorre que nossos políticos agem de forma macro, seus desfalques prejudicam o coletivo e não só uma ou poucas pessoas. Sendo assim, causam um mal “maior”, devendo ser mais coibida do que as “menores”, e então, por ser extremamente nociva à sociedade, a corrupção política deve ser reprimida, atacada, erradicada, mas que as outras, não precisam de punições tão severas. Ocorre que corrupção é corrupção, não existe uma escala de valores de corrupção e todas deveriam de ser consideradas crime hediondo, devido as nefastas consequências à sociedade.
Embora eu seja a favor da lei que torna a corrupção política crime hediondo, acho, que de qualquer forma, nós praticamos a corrupção em diversos níveis da nossa sociedade, não nos indignamos com essa prática, nem mesmo achamos que ela deve ser erradicada. Esquecemos que todos saímos prejudicados. Senão, vejamos, passamos tais conceitos para as futuras gerações, levando-os a crer que o certo é fazer o errado, que devemos sempre levar vantagem e não nos preocuparmos com as consequências desses atos. Pensamento esse, oposto ao dos países mais justos.
Me recordo da história do brasileiro que foi à Suécia. Estando em Estocolmo, precisando pegar um trem, se dirigiu à estação mais próxima do seu hotel. Chegando lá, percebeu que uma das catracas era liberada. Chegou até um dos atendentes e perguntou o porquê daquela catraca ser liberada, no que o atendente logo lhe respondeu que era para as pessoas necessitadas, que precisassem pegar o trem e não pudessem pagar por ele, pudessem usar o transporte. Nisso, o brasileiro o questionou sobre o que aconteceria se a pessoa tivesse dinheiro e não pagasse pela passagem. Então, o atendente olhou para ele, como quem não entendesse a lógica daquela pergunta e respondeu prontamente com outra pergunta, porque alguém faria aquilo. O brasileiro percebeu que era uma diferença colossal entre os pensamentos dos povos, aí, recolheu-se a sua insignificância, pagou sua passagem e se foi.
Isso realmente mostra a diferença de mentalidade dos povos. Aqui no Brasil, principalmente no Rio, e falo dele, pois é a minha cidade e é a realidade que eu vivo diariamente, e nessas terras, as pessoas pulam a plataforma do BRT, para não pagar passagem, precisamos colocar fiscais para as pessoas não jogarem lixo no chão e agora, com o VLT, tivemos que criar uma multa para quem não pagasse a passagem, já que não há cobrador nos bondes. Então, temos essa nossa necessidade patológica de nos corromper, de transgredir, de fazer o errado de agir de forma contrária, de darmos o jeitinho brasileiro, tudo isso, para nos indignarmos se alguém se dá melhor que a gente em alguma coisa.
Mas resolvi nadar contra essa maré, contra essa corrente. Li um texto magnífico da magistral Elisa Lucinda, chamado “Só De Sacanagem”, onde ela propõe que nós lutemos contra essa coisa toda e eu resolvi seguir. E não tem essa de falso moralismo ou hipocrisia, sei que ainda vou ter falhas na minha luta contra a corrupção, afinal, se não for um pacto coletivo, ainda estaremos sujeitos aos malefícios da corrupção e expostos a ela. Mas vou me manter firme no propósito de expurgar a corrupção da minha vida. Seguindo o conselho da Elisa, agora comigo vai ser assim: quanto mais as pessoas tentarem me corromper, mais honesto eu vou ser, podem cobrar 3 chopes quanto eu tiver bebido 4, que vou pedir para retificar a conta e pagar o correto; quando receber troco a mais, vou devolver a diferença; quando eu tiver que comprar produtos, serão só os originais, nada de comprar pirata; nada de pagar propina para policial ou fiscal; nada de burlar regras, nada de transgredir leis. A partir de agora, comigo, é honestidade sempre. Remando contra a maré, só de sacanagem. Quem sabe assim, ao menos, eu fazendo a minha parte, consigo mudar ao menos o meu mundo. E que mais pessoas fama igual.

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