segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Alma Calma

Alma Calma

Subiu no parapeito, olhou para baixo e tremeu
As pernas falharam, a mente foi longe
Imaginou-se largado na imensidão da queda
Eram trinta e cinco andares de vazio

Sabia que a queda seria fatal
Afinal, era o que havia planejado originalmente
Se perder no vazio em queda livre
Se estatelando no meio do passeio público

Acreditava que assim, sua breve história
Acabaria fazendo algum sentido
Porém, quando chegou no alto
Bateu um leve desespero

Tonteou e quase desequilibrou
Sua carta ao mundo quase se soltou de sua mão
Pensou brevemente no que ia fazer e não se alegrou
Parecia tudo mais fácil e certo de manhã

Era sempre melhor pensar nisso, na escuridão do quarto
Sentia o aconchego acolhedor dessa ideia destrutiva
Seria só abdicar de alguns instantes de dor
Para na calçada encontrar a paz

A vertigem o fez pensar em outras coisas
Recordou a tenra infância
Pensou nos momentos em que foi feliz
Sentiu uma leve alegria dominar

Contudo, vieram os momentos de tortura
De solidão completa
De abandono
A vida não lhe foi justa

Daí recordou o real sentido de tudo isso
O ar rarefeito inebria
O calor do sol o acalenta
Abriu os braços para se equilibrar

A dor latente o transforma
Ao menos agora vislumbra uma dor é física
Sabendo a causa e o porquê
Não precisa mais me preocupar com nada

Um salto que pode lhe trazer um sopro de vida
Acredita que se perdendo, se achará
Abrirá mão do que não lhe pertenceu
Sempre teve que agradar a tudo e a todos

Cada um que um dia lhe cobrou
Hoje terá o resultado
Será apenas mais um corpo estatelado
No meio da multidão, atrapalhando o tráfego

Já não vê mais a sua vida pretérita
Passa a enxergar o futuro
Passa a ver um jovem jogado no chão
Sua face espelha desesperança e frustração

Parece em seus olhos que têm uma dor
Mas olhando de perto vê que ela não é física
É uma dor de dentro, uma dor da alma
Que parece que não vai embora, vai ficar pra sempre ali

Pensa que soltando a vida, soltará os problemas
E por isso mesmo, se recompõe no alto do prédio
Agora só pensa em seguir adiante
Se libertar das amarras com o salto

Visualiza o chão como a liberdade
Não como um obstáculo duro
Mas sim como braços acolhedores
Que vão lhe livrar do sofrimento

Já não consegue mais pensar em nada
Seu corpo se lança no ar
O bailado de braços e pernas
Chega a parecer coreografado

Cinegrafistas amadores e curiosos acompanham
Os últimos segundos de sua prisão
O barulho ensurdecedor acordou a vizinhança
Com o romper de seu corpo, irrompeu a felicidade

Agora já é um novo ser
A morte do que se foi não lhe faz mal
Ele agora está livre para ser o que quiser
O desespero já não o consome

Ele precisa mesmo é se deixar pra trás
Precisa seguir em frente, ele já não é
O que é agora ele nunca foi
Agora ele só é alma, calma

2 comentários:

  1. Respostas
    1. É o segundo, mas é que estou aceitando o desafio de falar desses sentimentos que me prejudicaram um tempo. Agora é botar pra fora isso. Chegou o momento.

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