O
Sarrafo
É engraçado como que
acabamos nos impondo certos padrões em nossas vidas e eles nos servem de
referencial. Seja a profissão desejada, o estilo musical preferido, o tipo de
filme que nos agrada, o beijo que nos tira o ar, o tipo de pessoa que nos
toleramos, os amores que vivemos, as relações que temos, todas essas coisas
acabam tendo um padrão básico de qualidade, que tudo que é abaixo dele, nós
descartamos e o que é acima, nós aproveitamos, não tem jeito. A isso, eu chamo
de sarrafo, exatamente igual nas competições de salto em altura ou com vara,
onde um atleta impõe o seu limite mínimo e caso o ultrapasse, conquista a sua
melhor marca pessoal ou de competição.
Certos padrões ou limites
norteiam as nossas vidas, fazendo com que busquemos nossos objetivos para alcançá-los,
outros simplesmente nos trazem uma seleção básica do que queremos, mas de
qualquer forma, só colocamos o sarrafo em uma posição que conseguimos saltar. A
forma mais comum de sarrafo é quando resolvemos nos relacionar de forma
racional, independente de paixão, temos uma série de pré-requisitos, que nos
fazem aceitar uma pessoa e não outra. Em alguns casos, o critério é objetivo,
em outros é subjetivo, mas de qualquer forma, o sarrafo é colocado em uma
posição que, mesmo com dificuldades, a gente consegue saltar, ou melhor, os
pretensos interessados conseguem suplantar.
É aquilo, você impõe
certos padrões mínimos que qualquer pessoa para estar com você precisará
superar. E o curioso disso é que acaba sim, sendo uma competição entre as
pessoas interessadas, onde você vai acabar ficando com aquela pessoa que
transpôs o sarrafo na altura mais alta, ou aquele quer ao menos chegou mais
rápido ao seu limite mínimo. É simples, você coloca o sarrafo com os critérios
objetivos em uma determinada altura, quem salta passa adiante, e aí vem o
sarrafo com os critérios subjetivos, que é mais alto, aí é uma seleção mais
apurada. Então, vem o convívio como critério de posicionamento do sarrafo,
quando você o coloca nessa posição, poucos são os pretendentes que são capazes
de saltar e então, acaba que torna a escolha mais fácil, já que as opções de
escolha são escassas, e com poucas opções, fica mais fácil a comparação e o
poder de decisão.
O problema maior é quando
uma pessoa ou relação acabam sendo o próprio referencial, se torna o próprio
sarrafo. Isso acontece até meio que involuntariamente, mas aquela pessoa passa
a ser o seu padrão, você vê que ela é a aquela que combina mais com você. Aí,
vira uma questão de comparação, onde você compara tudo e todos com tudo aquilo
que se refere a essa pessoa, entendeu? Então, você usa aquela pessoa como o seu
próprio sarrafo. Em competições de saltos, certas pessoas só começam a competir
quando o sarrafo já está em determinada altura, pois essa altura é o mínimo que
essa pessoa consegue saltar, daí, não precisa competir nas alturas menores.
Quando a pessoa ou relação é o próprio sarrafo, a competição se torna um pouco
desleal, pois os outros pretendentes podem fazer o melhor delas, saltar o salto
da vida deles, contudo, por pura comparação, eles não poderão saltar aquele
sarrafo, ainda assim, eles ficarão longe do ideal que está personificado com
aquela pessoa.
Daí, então, o seu
referencial é outro, ele tem nome, sobrenome, endereço, CPF, cor, jeito de ser,
cheiro, humor, gostos... É aquele ponto: tudo com essa pessoa é melhor, tudo
com ela é mais fácil, tudo com ela é mais divertido, tudo com ela é mais
tranquilo, as coisas se desenvolvem mais fácil, quando você está com outras
pessoas, as coisas não são como são quando você está com a pessoa que é o seu
sarrafo, que é o seu referencial. E você, sabendo de tudo isso, sabe que é
quase impossível de alguém conseguir superar esse sarrafo, você sabe que a
relação é melhor do jeito que é com essa pessoa que é o seu sarrafo, que ela é
do jeito que te apetece, simplesmente porque ela supre as suas necessidades e
expectativas de uma forma que mais ninguém consegue fazer.
Você enfrenta essa
situação onde ninguém mais se encaixa no padrão, o beijo nunca é perfeito, o
toque nunca é perfeito, o jeito, o humor, os gostos, as piadas, as implicâncias,
a fala, os programas, o sexo, a forma de se portar, a forma de agir... No fim
das contas, tudo isso pode até ser muito bom, excelente, mas não é perfeito,
não é o que encaixa com você, não é aquele que te tira o fôlego, que te faz
acordar todos os dias, que te faz pensar na pessoa o tempo todo, que te mostra
o quanto você é feliz ao lado de uma outra pessoa, afinal, você não quer o bom,
você não quer o muito bom, você não quer o ótimo, você não quer o excelente,
você não quer se contentar, você quer tudo o que você precisa e merece, você
quer a perfeição, você quer o que te faz
bem, o que te leva ao céu, te deixa sem chão, o que te faz sentir completo,
vivo e cheio de disposição.
E esse seu referencial,
esse seu sarrafo, vem de tudo o que você já viveu, de todas as experiências já
vividas e experimentadas, de cada beijo que você já deu na sua vida, de cada
transa, cada conversa, cada piada, cada toque, cada mensagem, cada conquista,
cada perda... Tudo te traz até aqui, para você ter suas preferências, suas
escolhas, e todas essas coisas são o que criam o seu sarrafo, que criam a sua
forma de seleção, que fazem com que as pessoas sejam ou não adequadas a você.
Sendo assim, hoje, vivo sob esse aspecto, pra mim, as minhas escolhas é que
decidem se alguém combina ou não comigo, se serve ou não pra mim.
Hoje o meu sarrafo está
posicionado em determinada altura e eu sei que em muitos casos, poucas pessoas
conseguem chegar próximo de transpassá-lo, mesmo embora, sabendo que isso é o
que acontece, eu não estou muito preocupado, estou mais preocupado em que a
seleção seja bem feita, que eu não tenha problemas com a escolha, que quem
passe por esse processo seletivo seja uma pessoa que se encaixe nos meus
critérios, encaixe nos meus gostos, seja capaz de me agradar até com as suas
coisas mais desagradáveis, que me faça ter a certeza de que a vida vale a pena
com ela. Por isso mesmo, meu sarrafo é alto, mas confio de que não seja difícil
para quem esteja interessada de pular.
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