Vidas Negras
Importam! #SQN
Vão
morrer negros em comunidade, sim. Vão morrer negros em comunidade pelas forças
do Estado, sim. Vão morrer negros em comunidade pelas forças do Estado e não tem
porque reclamar. Pois é. Vai morrer. E tem que morrer. Sabe porquê? Porque
sempre morreu negro em comunidade pelas forças do Estado e ninguém nunca
reclamou. E não é só em comunidades. Nenhum negro está imune as garras do
Estado, até porque, é essa a função do Estado, exterminar os negros da nossa
sociedade.
Algumas
pessoas ainda se levantam contra isso, falam como se não fosse o dever do
Estado clarear a nossa sociedade. Concretizar o extermínio negro está na nossa
Constituição Federal, você não sabia disso? Pois é, tá lá. E ai de quem
questione isso, pois é uma cláusula pétrea, nunca poderá ser alterada ou
retirada da nossa Constituição.
Aliás,
vou um pouco além, essa cláusula é da Constituição do nosso país. Desde o
início da formação do nosso país que os negros são um peso para a sociedade. Em
nosso país, ser negro é praticamente uma sentença de morte. E porque não
deveria de ser?! Sempre agimos assim, sempre matamos negros com mais facilidade
do que gado. Como bem cantou o poeta: A carne mais barata do mercado é a carne
negra!
E
não tem porque não ser. Um país com tantos negros e pardos, de tantos mestiços
e pessoas de pele escura, que só estão aqui para servir a nossa sociedade, e
tão somente para isso. Só ver que para nós, negros só podem ascender
socialmente se forem atletas ou artistas. Negros que ascendem socialmente por
méritos educacionais são vistos com uma estranheza tão grande, que são sempre
alvo de blitz das polícias.
O
extermínio negro é uma política de Estado sim e não vejo porque de
questionarmos isso. Se quando negro era propriedade, isso era uma questão
meramente econômica, agora, passa a ser uma questão de segurança pública,
afinal, todo negro é suspeito e ninguém questione isso. Quem questiona qualquer
uma dessas questões, quem levanta a voz para falar sobre essas questões, é
tachado de petista, esquerdopata ou amante de bandido.
E
é isso mesmo, afinal, todo negro é bandido e uma ameaça ao Status Quo da nossa
sociedade. Negros devem saber o seu lugar em nossa sociedade, afinal, se os
negros saíram das senzalas, hoje estão trancafiados nas favelas. E a sociedade
brasileira deu a liberdade ao negro, há mais de 120 anos atrás, mas nunca quis
que o negro deixasse de ser serviçal. Por isso mesmo, não deram educação aos
negros, mandaram-nos para as guerras e encarceram-nos em cadeias.
Mas
vão morrer negros em comunidade pelas forças do Estado e não tem porque
reclamar, sabe porquê? Porque em nossa sociedade a vida negra vale menos, a reclamação
negra vale menos, a dor negra vale menos, a pele negra vale menos, a pessoa
negra vale menos, tudo que envolva o negro vale menos. Por isso que matar em
favela não é nada demais, por isso que as favelas não são nada demais, por isso
que hospital público é sucateado, por isso que escola pública é sucateada,
simplesmente porque é a comunidade negra que depende delas.
Veja
você, a nossa sociedade comete o genocídio negro desde que o primeiro navio
negreiro ancorou em terras brasileiras e nunca se fez nada para mudar isso,
nunca se importou realmente com a vida dos negros aqui na Terra Brasilis, nunca
demos a devida atenção, sempre nos desfizemos dos negros, sempre maltratamos,
humilhamos, flagelamos e ridicularizamos quem tem a pele escura.
Seja
a cultura, seja a estética, seja a cultura, seja a beleza, tudo o que vem do
negro é menosprezado pelas classes dominantes. Em nosso país, o negro só serve
para servir e para entreter, mas desde que se sujeitem a fazer essas coisas de
forma que agrade aos brancos. Se algo for feito por negros, pelos negros e para
os negros, aí será visto como algo ridículo, a ser criticado e a ser destruído.
Negro
não tem direito a se sentir representado na televisão, muito menos ter sua arte
reconhecida ou ainda ter o seu valor elevado. Aliás, negro não tem valor, negro
tem preço, e como eu já disse antes, a carne mais barata do mercado é a carne
negra.
Então,
entenda, negro, que você nesse país é apenas massa de manobra, você não tem voz
e nem tem vez, você não é alguém, você não tem direito de ir e vir, você é
sempre suspeito, você vai ser sempre suspeito, você vai ser sempre alvo de
ações policiais, a sua vida vai ser sempre descartável, a sua morte nunca vai
ser lamentada, mas sim apenas mais um número.
Mas
você não tem porque reclamar, agora está rolando intervenção, você vai ser
fichado, terá seu direito de ir e vir cerceado, mas afinal, sempre foi assim,
né? Você faz isso quando entra em edifício, vai em repartição pública, não tem
nada demais ser cadastrado para entrar em favela, não tem porque reclamar de
ser abordado em blitz só por conta da sua cor, não tem porque reclamar de ser
perseguido por carro de polícia por você estar dirigindo o seu carro quitado em
uma via movimentada... Nada disso é racismo, é para sua segurança.
O texto acima é obra
de Victor Hugo de Souza Mendes, um homem, negro, que é um sobrevivente há 35
anos, que embora não more em comunidade, sabe que é um alvo comum para as
polícias, que não se sente representado em programas de televisão ou em filmes
no cinema. É um defensor das políticas de afirmação e por se sentir capaz de
falar em nome da comunidade negra, se valeu da ironia para escrever um texto
reflexivo, com algumas das muitas frases que ele ouviu em nome da manutenção do
Status Quo da sociedade brasileira, principalmente mantendo o genocídio negro.
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