A Sombra Do Mal Se Levanta
Queria ter o dom das palavras para poder te explicar
Te pegar pela mão, sentar contigo e te mostrar
Mostrar tudo aquilo que você finge não ver
Ou simplesmente prefere, como uma pessoa de bem, ignorar
Se Deus assim quisesse e me desse esse dom
Aí então, eu iria poder te falar
De toda a dor causada e por outros assim vivida
Das mortes acobertadas e das repressões aplicadas
Te falaria de censura, exílio e grupos de extermínio
De retrocesso, de atraso, de alienação
Eu iria poder te falar ainda de perseguição
De tirania, de agressões, de violência institucional
Mas creio que teria ainda muito mais a dizer
Poderia falar de desrespeito aos direitos básicos
A minorias, aos mais fracos, aos mais pobres
E principalmente aos negros, as mulheres e LGBTQ
Aos que já sofrem, aos esquecidos, aos diferentes
Mas para você está tudo bem
Você não é das minorias
Você não é subversivo
Você não é contra o regime
Onde está a sua compaixão?
Porque você vendou seus olhos assim?
Será que você não percebeu?
A besta se veste de salvador para nos matar
E você aí, batendo palma para tudo isso
Como se não tivesse nada a ver com tudo isso
Como se o passado não pudesse voltar
O passado se faz presente quando andamos para trás
E novamente a sombra do mal se levanta no horizonte
Pois não chore por mim quando eu desaparecer
Ou quando minha mãe chorar por não ter notícias minhas
Muito menos quando eu suicidar em uma cela da prisão
Os avisos foram dados e você preferiu ignorar
Então, quando a onda se levantar
E todos formos arrastados da praia
Não vai adiantar chorar o leite derramado
Então, afasta de mim esse cálice
Para não dizer que não falei de flores
Deixe então voar a sabiá
Pois poderá ser a gota d’água
Para vivermos como os nossos pais
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