terça-feira, 20 de novembro de 2018

Negra Consciência


Negra Consciência

Para começar, sou um homem negro! Para quem não sabia ainda, eu prefiro falar logo, que é para não haver qualquer tipo de dúvidas, para que não pareça que estou pegando carona em um tema ou que eu não sei sobre o que estou falando. Sou negro, com muito orgulho e me sinto no dever de fazer certas considerações sobre o dia de hoje.
Em primeiro lugar, cabe ressaltar que nasci no ano de 1982, tenho 36 anos e sou o mais novo de três irmãos. Meu irmão mais velho nasceu em 78, 90 anos após a abolição da escravatura. E ele é o primeiro membro da minha família a nascer fora de uma favela. Pois então, se passaram 90 anos e foram necessárias 4 gerações, para que alguém da nossa família nascesse fora da favela. Alguns podem dizer que isso é pouco, mas quem fala isso, não consegue entender as mazelas que a escravatura trouxe para a população negra e ainda traz.
Eu sou um cara negro, instruído, formado em advocacia, escritor, moro em uma área nobre do Rio de Janeiro e ainda assim, hoje, 130 anos depois de ser assinada a Lei Áurea, ainda sinto os efeitos de uma sociedade escravagista. Muitos ainda me veem como um objeto ou posse de alguém.
Eu sei bem o que é você ser “suspeito profissional, bacharel, pós-graduado em tomar geral”. Tive que aprender, desde quando comecei a sair com os meus pais, a andar sempre bem arrumado e com os meus documentos, a saber o meu endereço de cor e o telefone de casa. Só quem é negro entende o que é ter tanto medo de polícia quanto de bandido.
Por sermos uma sociedade onde o racismo é institucionalizado, evitamos nos colocar em determinadas situações de risco, preferimos andar sempre arrumados, bem vestidos, para que não sejamos confundidos com o esquema padrão de bandido, que é o famoso “preto pobre”. Chega a ser cotidiano isso, estar no ônibus de madrugada e ser o único a ser revistado, ficar preso na porta giratória do banco quando você não tem mais nada para tirar dos bolsos, ou então, ter seu carro parado numa blitz, quando eles procuram um carro branco e o seu carro é preto, ou vice-versa.
Você sabe como é estar no ônibus e apesar do lugar ao seu lado estar vazio, as pessoas preferirem fazer a viagem em pé? Pois é, uma realidade que nós sabemos bem como é. Você sabe como é ter que andar sempre com um comprovante de residência, para não ser confundido com uma ameaça aos “cidadãos de bem” da sua rua? Pois é, isso acontece comigo direto. Ser negro e morar bem é algo ainda pouco comum a nossa sociedade.
Me lembro que quando mudei para o Recreio, sempre me perguntavam o que os meus pais faziam. Se meu pai era jogador de futebol ou se minha mãe era cantora. Quando eu respondia que meus pais eram professores, as pessoas ficavam incrédulas, ainda mais com o fato de que em nosso país, professores não são bem remunerados. Só que meus pais trabalhavam muito, para que pudéssemos ter o padrão de vida que tínhamos.
Por isso mesmo que eu vejo o Dia da Consciência Negra como algo ainda necessário, afinal, apesar dos avanços, ainda temos muito o que avançar na questão da igualdade racial. Não que os negros não sejam conscientes, afinal, somos negros a vida toda e sabemos bem as mazelas que enfrentamos e os problemas que precisamos superar, mas precisamos que as outras pessoas tomem consciência da negritude, do quanto nós somos importantes para esse país.
Seria desnecessário o Dia da Consciência Negra se houvesse a Consciência Humana, se todos soubessem que são iguais, se todos tivessem as mesmas oportunidades, se todos pudessem ser o que quisessem em suas vidas, que todos pudessem amar e serem amados da mesma forma, se não tivéssemos um padrão de beleza eurocêntrico, se respeitássemos a cultura e hábitos dos outros, se soubéssemos ver o quanto que cada ser humano é importante para fazermos um mundo melhor. Mas enquanto isso não acontece, se faz necessário que haja o Dia da Consciência Negra, para fazermos com que todos vejam que ser negro é ser como qualquer um, só que com mais melanina.

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