Negra
Consciência
Para começar, sou um homem negro! Para quem não sabia
ainda, eu prefiro falar logo, que é para não haver qualquer tipo de dúvidas,
para que não pareça que estou pegando carona em um tema ou que eu não sei sobre
o que estou falando. Sou negro, com muito orgulho e me sinto no dever de fazer certas
considerações sobre o dia de hoje.
Em primeiro lugar, cabe ressaltar que nasci no ano de
1982, tenho 36 anos e sou o mais novo de três irmãos. Meu irmão mais velho
nasceu em 78, 90 anos após a abolição da escravatura. E ele é o primeiro membro
da minha família a nascer fora de uma favela. Pois então, se passaram 90 anos e
foram necessárias 4 gerações, para que alguém da nossa família nascesse fora da
favela. Alguns podem dizer que isso é pouco, mas quem fala isso, não consegue
entender as mazelas que a escravatura trouxe para a população negra e ainda
traz.
Eu sou um cara negro, instruído, formado em advocacia,
escritor, moro em uma área nobre do Rio de Janeiro e ainda assim, hoje, 130
anos depois de ser assinada a Lei Áurea, ainda sinto os efeitos de uma
sociedade escravagista. Muitos ainda me veem como um objeto ou posse de alguém.
Eu sei bem o que é você ser “suspeito profissional,
bacharel, pós-graduado em tomar geral”. Tive que aprender, desde quando comecei
a sair com os meus pais, a andar sempre bem arrumado e com os meus documentos,
a saber o meu endereço de cor e o telefone de casa. Só quem é negro entende o
que é ter tanto medo de polícia quanto de bandido.
Por sermos uma sociedade onde o racismo é
institucionalizado, evitamos nos colocar em determinadas situações de risco,
preferimos andar sempre arrumados, bem vestidos, para que não sejamos
confundidos com o esquema padrão de bandido, que é o famoso “preto pobre”.
Chega a ser cotidiano isso, estar no ônibus de madrugada e ser o único a ser
revistado, ficar preso na porta giratória do banco quando você não tem mais
nada para tirar dos bolsos, ou então, ter seu carro parado numa blitz, quando
eles procuram um carro branco e o seu carro é preto, ou vice-versa.
Você sabe como é estar no ônibus e apesar do lugar ao
seu lado estar vazio, as pessoas preferirem fazer a viagem em pé? Pois é, uma
realidade que nós sabemos bem como é. Você sabe como é ter que andar sempre com
um comprovante de residência, para não ser confundido com uma ameaça aos “cidadãos
de bem” da sua rua? Pois é, isso acontece comigo direto. Ser negro e morar bem
é algo ainda pouco comum a nossa sociedade.
Me lembro que quando mudei para o Recreio, sempre me
perguntavam o que os meus pais faziam. Se meu pai era jogador de futebol ou se
minha mãe era cantora. Quando eu respondia que meus pais eram professores, as
pessoas ficavam incrédulas, ainda mais com o fato de que em nosso país,
professores não são bem remunerados. Só que meus pais trabalhavam muito, para
que pudéssemos ter o padrão de vida que tínhamos.
Por isso mesmo que eu vejo o Dia da Consciência Negra
como algo ainda necessário, afinal, apesar dos avanços, ainda temos muito o que
avançar na questão da igualdade racial. Não que os negros não sejam
conscientes, afinal, somos negros a vida toda e sabemos bem as mazelas que
enfrentamos e os problemas que precisamos superar, mas precisamos que as outras
pessoas tomem consciência da negritude, do quanto nós somos importantes para
esse país.
Seria desnecessário o Dia da Consciência Negra se
houvesse a Consciência Humana, se todos soubessem que são iguais, se todos tivessem
as mesmas oportunidades, se todos pudessem ser o que quisessem em suas vidas,
que todos pudessem amar e serem amados da mesma forma, se não tivéssemos um
padrão de beleza eurocêntrico, se respeitássemos a cultura e hábitos dos
outros, se soubéssemos ver o quanto que cada ser humano é importante para
fazermos um mundo melhor. Mas enquanto isso não acontece, se faz necessário que
haja o Dia da Consciência Negra, para fazermos com que todos vejam que ser
negro é ser como qualquer um, só que com mais melanina.
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