Os
Cariocas
Fui dormir ontem com uma
sensação de desesperança, descrença, desilusão, desespero, como há muito tempo
eu não sentia. Já fazia um tempo que eu estava com essa sensação, afinal, foram
tantas coisas acontecendo na nossa vida política que eu desanimei, desacreditei
que somos capazes de nos autorreger, uma vez que estamos atacando as pessoas e
não o problema, preferimos odiar o jogador, quando o problema real está no
jogo.
Uma campanha eleitoral
onde as partes preferiram se atacar, ao invés de discutirem propostas, onde um
candidato se escondeu, fugindo de debates e entrevistas, já que é péssimo em
debates e o outro, no afã de vencer a disputa, apelou para práticas da velha
política. Ao final, da votação, com o resultado já concretizado, me restou uma
mistura de sentimentos ruins, onde eu não conseguia ver qualquer coisa boa
vinda das respostas das urnas em nossa cidade. Contudo, nada como uma boa noite
de sono, nada como colocar a cabeça no travesseiro para refletirmos.
O mundo não acabou! Ainda
estamos aqui, firmes e fortes, talvez um pouco debilitados, um pouco menos
unidos, um pouco menos crentes, um pouco menos alegres, mas ainda assim, ainda
somos cariocas, a nossa cidade ainda é maravilhosa, nosso povo ainda é feliz,
nós ainda temos motivos para acreditarmos num amanhã melhor. Afinal, já
passamos por outros momentos de desesperança, já elegemos o César Maia,
Garotinho, Rosinha, Conde, FHC, Marcelo Alencar, Dilma, Cabral e ainda assim,
seguimos em frente, resistimos, ainda estamos aqui.
O carioca é um resistente
por natureza, desde o início dos tempos, quando nos idos do século XVI,
precisamos resistir as invasões e saques de forças estrangeiras, fomos fortes,
valentes, moldamos nossa forma de agir, nos tornamos resistentes. Passamos
assim a resistir, seja aos de fora, aos de dentro, seja aos governos, aos
desgovernos, nós simplesmente seguimos em frente, resistindo.
Para nós, algo nunca é
tão ruim que não possa piorar e ainda assim, a gente se mantém sorrindo. Já
formos a principal cidade do país, o principal porto, já fomos a capital do
império português, a capital do império brasileiro, a capital da república, a
mais duradoura capital do país, um estado independente, a cidade do dinheiro, a
sede administrativa do país e perdemos tudo. Hegemonia no futebol, já foi,
melhor carnaval de rua, já foi, bolsa de valores, já foi, royalties do
petróleo, também já foi... E ainda assim, estamos aqui, resistindo.
Não dá para negar, alguns
de nossos infortúnios foram e são causados por nós mesmos, pois senão, só
vermos, conseguimos ter uma tendência masoquista para o sofrimento. Conseguimos
eleger Bolsonaro e Tarcísio Mota, Eduardo Cunha e Molon, Crivella e Lindhberg,
conseguimos ser as duas faces de uma mesma moeda. Esquerda e direta, velho e
novo, antigo e moderno, sagrado e profano, vanguarda e retrocesso... Aquilo
como bem disse Caetano, nós somos o avesso, do avesso, do avesso.
Não tem como negar,
apesar de tudo isso, ainda temos motivos para sorrir, para acreditar num amanhã
melhor, até porque, amanhã o sol voltará a brilhar, a praia vai estar lá, o
Cristo vai continuar de braços abertos nos abençoando, em fevereiro vai ter
carnaval, ainda teremos o Maraca, o chopp a beira mar, o happy hour que vai de
17 às 22, a altinha, a floresta da Tijuca, o pôr do sol no Arpoador, o samba no
Cacique, a capoeira, a Lapa, Madureira, ainda teremos o biscoito Globo, o mate
com limão gelado na praia, a Lagoa, a Igreja da Penha, a orla Tim Maia (do Leme
ao Pontal), o nosso jeito peculiar, nossa forma de fazer piada com tudo, nosso
sorriso largo, nossa receptividade, nossa marra, nosso sotaque, nossa ginga, o
nosso não gostar de dias nublados. Nós podemos ter mil motivos para nos
entristecermos, mas temos sempre mil vezes mais para nos alegrarmos. Então, nós
seguimos em frente e resistimos.
Não vai ser o Crivella, a
Universal, o Edir Macedo, o Malafaia, o Freixo, o Paes, o Cabral, o Pezão, o
Dornelles, a Dilma, o Temer, o Cunha, o Lula, a Lava Jato, a Petrobrás, a
violência, a pobreza, a saúde, a educação, o rebaixamento dos nossos times, os
dias de chuva, os dias nublados, o Bolsonaro, o Renan, o Maracanazzo, o
trânsito caótico, o aumento da passagem, a má distribuição de renda, os
bandidos fardados, as milícias, o tráfico, a bola perdida, o assalto que
sofremos, a poluição de nossas águas, o lixo no chão, as enchentes, ou qualquer
outra dessas mazelas que não enfrentamos, que vai nos derrubar. Pois ainda
assim, estamos aqui, resistindo, seguindo em frente.
Estou otimista para os
próximos quatro anos. Se ontem eu não via motivos para comemorar o resultado
das urnas, hoje eu já vejo, estou realmente torcendo para que o Crivella me
surpreenda e faça um excelente governo, que enfrente os problemas reais de
nossa cidade e assim melhore, de verdade a vida de quem mora aqui, mesmo,
embora eu não tenha votado nele e muito menos, apoie a sua visão política.
Contudo, caso ele fracasse, seja uma negação como o prefeito da cidade do Rio,
ainda assim, teremos porque nos alegrarmos, pois assim, estaremos execrando
mais um personagem da velha política da nossa cidade, então, nós sairemos
ganhando, mesmo quando parecer que estaremos perdendo. E novamente estaremos
aqui, resistindo, seguindo em frente.
A esperança é a última
que morre e a do carioca então, podemos dizer que é imortal, a gente acredita
num amanhã melhor, tem fé que tudo vai melhorar, lidamos com nossos problemas
com humor, aprendemos que sim, o que não nos mata, realmente nos fortalece,
somos um povo que luta pelo que quer, que acredita num futuro melhor, que tem
fé, esperança, que acredita, que dá voto de confiança, que é capaz de ver algo
de bom até em aterro sanitário. Nós somos assim, seguimos em frente, caímos,
mas nos levantamos, apanhamos, mas as feridas e os machucados saram,
tropeçamos, mas não abandonamos a corrida, resistimos, pois é isso que somos.
Um povo resistente, cheio de fibra, com sonhos e capacidade para vencer
qualquer mal, até nós mesmos.